Um dia se passou, muita tinta correu. O que foi bom? O que foi mau? O que mudou na Academia? O que nunca muda? 20 destaques:
1 – Viola Davis e Danielle Deadwyler de fora. Mas será mesmo uma surpresa?
Dadas como favoritas a constar entre as cinco nomeadas a Melhor Atriz Principal, tanto Viola Davis (The Woman King) quanto Danielle Deadwyler (Till) ficaram de fora, confirmando que mulheres negras não costumam ter muita simpatia da Academia (a única (!) vitória nesta categoria em 95 anos pertenceu a Halle Berry em 2002). Ambas tinham tido as principais nomeações consideradas percursoras para os prémios, mas vinham de percursos diferentes: se Davis tinha sido a protagonista principal de um épico de ação com bons resultados de bilheteira; Deadwyler tinha sido a cara de Till, filme dramático sobre a tragédia de Emmett Till. No final, nenhuma conseguiu a nomeação. Sabendo desta infeliz tendência da Academia para ignorar atrizes negras, eu já tinha dado o palpite de que Deadwyler pudesse ficar sem a nomeação, mas nem eu acreditei que o pudessem fazer a ambas!
2 – Decision to Leave nem nomeado a Filme Internacional
Todos sabem que Decision to Leave é o filme favorito de quem escreve este artigo, mas era sabido que as suas chances estavam quase reduzidas à categoria de Filme Internacional. Não é um filme fácil para a maioria da Academia e o foco da categoria parecia já ir para All Quiet on the Western Front. Ainda assim, o filme do conceituado cineasta sul-coreano, Park Chan-wook, era considerado o 2º favorito da categoria. No final nem sequer essa nomeação conseguiu alcançar. Merecia várias.
3 – Andrea Risenborough…e uma campanha que mudará as campanhas
Abordei por alto esta situação no último podcast – – e é incrível que esta campanha tenha mesmo resultado. Num filme independente de baixo orçamento, To Leslie, Andrea Risenborough não tinha qualquer presença nas nomeações de prémios percursores a este, seja na indústria ou nas associações de críticos. Uma série de celebridades – com Edward Norton e Cate Blanchett à cabeça – partilharam publicações nas redes sociais apelando ao voto em Risenborough a uma semana do encerramento do período de votações, fazendo apelos abertos em público, como Blanchett o fez nos Critics Choice Awards. Os atores de Hollywood mostraram a sua força e nomearam Risenborough e muito contribuiram para que Davis e/ou Deadwyler não estejam aqui presentes.
4 – Brian Tyree Henry, uma nomeação atrasada
Apesar de ter sido uma tarde péssima para atores ou produções maioritariamente negras, há uma boa surpresa a destacar: Brian Tyree Henry chegou a uma inesperada nomeação para Melhor Ator Secundário por Causeway. Com atraso dirão muitos depois de muito elogiadas prestações em filmes como Widows e If Beale Street Could Talk, ambos em 2018!
5 – 16 atores novatos nestas andanças, mas há duas veteranas.
Outra boa surpresa deste conjunto de nomeações é que 16 dos 20 nomeados nas categorias de atuação foram nomeados pela primeira vez na sua carreira. Os únicos que repetem é Angela Bassett (Black Panther: Wakanda Forever) agora como Atriz Secundária – 29 anos depois de ser nomeada na categoria principal! – e Judd Hirsch (The Fabelmans) que repete a nomeação na categoria secundária, 42 anos depois da sua primeira nomeação, o maior intervalo entre nomeações da história! Há ainda assim duas atrizes que já estão bem habituadas a isto. Michelle Williams (The Fabelmans) chegou à 5ª nomeação da carreira, enquanto Cate Blanchett (Tár) chegou à 8ª!
6 – Pinóquio reduzido a Animação.
Apontado como favorito a estar entre os cinco nomeados a Melhor Banda-Sonora e Melhor Canção Original e com fortes possibilidades de vir a ser nomeado em Design de Produção e até Melhor Filme, o filme de Guillermo Del Toro saiu desta tarde apenas com a nomeação para Melhor Filme de Animação, comprovando uma vez mais que os membros da Academia desprezam a Animação, considerando as suas obras como inferiores.
7 – Top Gun: Maverick falha Cinematografia e…é nomeado em Argumento!
As seis nomeações que Top Gun: Maverick obteve estão de acordo com o número mais ou menos esperado. No entanto, foram por um inesperado caminho! Tendo dominado e vencido quase todos os prémios de críticos na categoria de Melhor Cinematografia, o filme de Kosinski falhou até a nomeação aos Óscares! Compensou isso com uma inesperada e importante nomeação na categoria de Argumento Adaptado (todas as sequelas entram como adaptação) que costuma ser essencial para quem quer vencer Melhor Filme.
8 – Nope, X, Pearl…ou uma Academia que se está marimbar para o terror.
Nope não ter uma única nomeação sabe mal. Afinal, tanto a cinematografia, como o som, quanto os efeitos visuais – nem mencionando a prestação de Keke Palmer ou o Argumento – têm qualidade para estar entre os melhores deste ano. X tem um incrível trabalho de maquilhagem que tornou Mia Goth irreconhecível e a própria Goth tem uma das melhores interpretações do ano, principalmente na prequela Pearl. Pouco surpreendentemente, nada disso convenceu os membros da Academia. A verdade é que nunca quiseram saber de grandes produções de terror e o terror também pouco se importa com isso, continuando encher salas e a fazer um cada vez maior sucesso a nível crítico.
9 – She Said sai com zero. Hollywood a passar uma esponja?
Ainda que, pelo menos, a nomeação para Argumento Adaptado e, possivelmente, Carey Mulligan como Melhor Atriz Secundária, fossem cartas no baralho, a verdade é que She Said teve zero nomeações aos Óscares. O filme sobre o escândalo mais importante dos últimos anos em Hollywood e um dos mais importantes da história da indústria foi completamente ignorado apesar de boas críticas. Admira assim tanto? Afinal, muitos dos amigos que Harvey Weinstein teve ao longo dos anos, talvez nunca tenham deixado de o ser. Chiu…não vamos dizer isto em voz alta, nem dizer quem foram os facilitadores de todo o sistema.
10 – Everything Everywhere All At Once é mais do que um fenómeno das redes sociais.
Muitos eram os que há bem poucos meses não acreditavam que Everything Everywhere All At Once chegasse a esta altura com hipóteses de discutir nomeações. Nas últimas semanas, com boas prestações em prémios percursores, passou a ser notório que EEAAO era apreciado e admirado por muitos, não sendo apenas um fenómeno das redes sociais. Ainda assim, nada se sabia da dimensão dessa admiração. A Academia foi clara: é o filme com mais nomeações, 11, incluindo Filme, Realização e quatro de atuação.
11 – All Quiet on the Western Front com uma incrível performance!
Também surpreendente foi a forma como All Quiet on the Western Front foi elevando o seu estatuto nas últimas semanas. Para isto muito terá contribuído o facto da Netflix ter percebido que as suas grandes apostas norte-americanas não iriam dar em nada, começando a fazer uma mais séria campanha pelo seu filme alemão. Vai aos Óscares com 9 nomeações, um recorde para filmes em língua estrangeira, ainda que não tenha conseguido a do seu realizador nem qualquer de atuação – já vos disse como é dificíl para um ator estrangeiro, sem peso em Hollywood, perfurar os gatekeepers da categoria? É raríssimo acontecer.
12 – Triangle of Sadness surpreende na realização mas falha…de Leon?
Até ontem as mais realistas expetativas para Triangle of Sadness eram na categoria de Melhor Argumento Original e Melhor Atriz Secundária por Dolly de Leon. Dolly de Leon não conseguiu a nomeação – mais uma vez, um ator que não é de Hollywood a entrar no clube de amigos não é algo fácil -, o que é de fazer abanar a cabeça de qualquer um, mas o filme acabou por ser bem compensado. Não só foi nomeado para Melhor Filme, como teve uma ainda mais surpreendente – pois são 5 lugares em vez de 10 – nomeação para Ruben Östlund na Realização.
13 – Paul Mescal continua a conquistar Hollywood
Em 2020 Paul Mescal entrou na sua primeira série televisiva e foi nomeado aos Emmy. Apenas dois anos depois, com Aftersun, alcança a nomeação para os Óscares, deixando para trás nomes como Tom Cruise ou Tom Hanks. O ator irlandês parece ser a nova sensação de Hollywood e tem já presença confirmada na sequela de Gladiator de Ridley Scott.
14 – Hirsch no lugar de Dano. A Academia a ser a Academia.
Aconteceu no ano passado com Judi Dench no lugar de Caitríona Balfe em Belfast e volta a acontecer este ano com Judd Hirsch no lugar que se pensava destinado a Paul Dano em The Fabelmans. Tanto Dench como Hirsch são bastantate competentes com o seu pouco tempo em tela, mas não se compara ao material que Balfe e Dano tiveram para trabalhar e dar vida incorporando maiores arcos de personagem. Nada disso importou para a Academia. Há muita gente nova, mas haverá sempre, pelo menos, um lugar reservado para a velha guarda.
15 – A primeira nomeação de atuações da Marvel.
Não foi Robert Downey Jr, não foi Benedict Cumberbatch, nem Chris Evans. A primeira nomeação de atores em filmes da Marvel chega em 2023, depois de um ano que esteve longe de ser dos melhores para os filmes da compahia. Ainda assim, Angela Basset (Black Panther: Wakanda Forever), não só chegou à nomeação, como parece a grande favorita à vitória na categoria de Melhor Atriz Secundária.
16 – Morte, impostos, Deakins, Williams, Beavan, Martin e Warren. Hollywood é obcecada com certos nomes nas categorias técnicas.
Já vimos que esta foi uma edição que apostou em muitos novatos nas categorias de atuação, mas nas categorias técnicas podemos sempre contar com uma série de cromos mais do que repetidos. Muitas destas “branches” são compostas por poucos membros, pelo que certamente há relações de confiança de muitos anos e algo mais do que apenas qualidade a pesar nas escolhas finais, até porque nem precisam de estar em filmes super-cotados. John Williams (The Fabelmans) tem agora 53 (!) nomeações entre bandas sonoras e canções, Roger Deakins (Empire of Light) chegou à sua 16ª edição na Cinematografia (venceu duas), Jenny Beaven (Mrs. Harris Goes to Paris) chegou à 11ª nomeação nos figurinos (três vitórias), Catherine Martin (Elvis) tem agora 9 nomeações entre design de produção e figurinos e Diane Warren (Tell It like a Woman) chegou às 14 nomeações em canção original, não tendo nunca vencido! Ao menos este ano já ganhou o prémio honorário…
17 – 5 filmes, 6 homens na realização. E mesmo assim…sem Cameron.
Depois de dois anos em que mulheres venceram o Óscar de Melhor Realização tal não se repetirá este ano. Os membros da Academia não nomearam qualquer mulher nesta categoria, onde há 6 homens (EEAAO tem dois realizadores). Steven Spielberg (The Fabelmans) iguala Martin Scorcese na “liderança” com nove nomeações, tendo ganho por duas vezes. Já James Cameron – apesar do enorme sucesso de Avatar: The Way of Water – falhou a presença entre os cinco mais votados. Já na categoria de Melhor Filme, onde estão nomeados 10 filmes, apenas Women Talking é um filme realizado por uma mulher.
18 – RRR reduzido a canção.
Já se sabia que o caminho do grande sucesso indiano RRR seria difícil. Não tendo sido o filme escolhido pelo comité indiano – questões políticas… – nunca poderia ser nomeado a Melhor Filme Internacional. No entanto, grande tem sido a campanha por Los Angeles com eventos quase diários dando-se a conhecer a muitos votantes. Ainda assim e, apesar das expetativas, o filme tem que se contentar com uma única nomeação, a de “Naatu Naatu” na categoria de Melhor Canção. Pelo menos aí é, por esta altura, o favorito a levar a estatueta.
19 – Os filmes que mais cínicos foram sobre Hollywood…levaram zero de Hollywood.
No seu subtexto, Nope faz um enorme crítica ao mundo do espetáculo, de como este tudo suga e cega, pouco se preocupando com as consequências. Babylon é ainda mais direto – talvez demasiado direto – a apontar o dedo a uma indústria recheada de podres que destrói tudo e tudos, descartando-se rapida e cruelmente de quem já não precisa. Ambos os filmes também têm coisas boas a dizer sobre o mundo do espetáculo, mas isso não terá sido suficiente para convencer os membros da Academia que parecem ter levado a peito algumas das verdades espelhadas nos ecrãs. A obra de Jordan Peele saiu com zero nomeações – nem nas áreas técnicas… – e o filme de Damien Chazelle tem que se contentar com três técnicas apenas: Design de Produção, Figurino e Banda-Sonora Original.
20 – Portugal!
Já havia esperanças mas já nos demos mal vezes suficientes para termos aprendido a lição. Mas desta foi mesmo! Um filme português vai, pela primeira vez, aos Óscares! A curta de João Gonzalez e Bruno Caetano, Ice Merchants, concorre na categoria de Melhor Curta-Metragem de Animação.