Quantas caras temos?
Reformulando: quantas faces temos?
Repensando: quantas facetas temos?
A simplicidade de processos de interacção humana e formas de comunicação não-verbal é fascinante e complexa.
John Woo é um realizador com uma estrutura filmográfica simples, mas com nuances de complexidade que independentemente do que se goste, tolere ou odeie do senhor, adicionam camadas palpáveis do que mais possa ser o tal filme simples entregue.
A saber: “Mission: Impossible 2” tem mais que uma camada linear de acção de um protagonista que tem um leque de capacidades e meios para resolver uma ameaça mundial iminente mas aqui o exemplo não é o melhor pois o histórico da temática explorada de Ethan Hunt já obriga a que se explore esse macro-enredo de implicações de reacções em governos e países por acção de Hunt e seus escudeiros pelas missões que este realize.
Viajando mais atrás na filmografia rica em entretenimento de Woo, deparamo-nos com Hard Boiled, que não é apenas um filme de acção larger-than-life de um polícia contra todo o crime assoberbante, vil e poderoso de Hong-Kong, mas que assim se monta e entrega, promovendo um alto índice de revisualização.
E aqui preciso de vos dissertar sobre Face/Off (A Outra Face).
A premissa é simples: o agente especial do FBI Sean Archer (John Travolta) tem como missão de vida a captura do carismático maníaco criminoso Castor Troy (Nicolas Cage). Isto acontece no acto introdutório do filme com um autêntico estoiro! E poderia ter acabado aqui o filme.
Mas isto é Hollywood e isto é John Woo, portanto a trama adensa-se quando é descoberta uma conspiração de como o irmão de Castor, Pollux Troy (Alessandro Nivola) sobre um atentado terrorista a chefes de estado. Como é que vamos parar esta ameaça? Archer aceita submeter-se a um transplante de face com o criminoso que ele jurou prender para, convincentemente se infiltrar na cela de Pollux e extrair a informação para parar a ameaça.
Na outra face da moeda, Castor acorda prematuramente da cirurgia e obriga os especialistas a atribuir a si a face de Archer.
A corrida contra o tempo em multi-facetas começa: Archer sendo Troy tenta a informação da bomba, Troy sendo Archer impede o atentado e torna-se o intocável e mais famoso agente do Bureau e elimina todos aqueles que sabiam da operação. Sean Troy tenta reconquistar a sua face, provar quem é ele, provar quem é o outro. Castor Archer por sua vez tenta tirar do seu caminho de uma vez por todas Sean Troy e os encontros, caçador caçado e perseguido que persegue estão feitos de forma inenarrável no que concerne ao entretenimento, ritmo frenético, sequências de acção, encadeamento de planos, pombas brancas, poesia de caos.
A profundidade de quem é quem e quem se perde no caminho do seu Eu é explorada de forma subentendida, mas com mestria por parte dos actores, de franco destaque Nicolas Cage que é facilmente a estrela-maior deste filme. Ter de assimilar uma personalidade de vilão tresloucado e excêntrico, para cambiar num anti-herói que tem de se mexer nos círculos de submundo para sobreviver enquanto tenta ser quem nunca começou por ser é uma memória que carrego com imenso apreço e clareza sempre que tropeço em Face/Off na televisão.
Este filme foi projectado para ser um blockbuster de acção. Entrega isso até com os buracos de enredo idiotas e flagrantes, mas também com o que fez de Woo um intocável realizador de produto digerível, fácil, desafiante q.b. mas que se tresmalha ligeiramente neste filme por talvez nem ter sido ele a adicionar tamanho existencialismo.