Revisualizando: Falling Down (ou Um Dia de Raiva que sempre quisemos ter, mas não nos fica bem admitir).

Já conversei sobre sentimentos, relações, morte, perseverança…

Mas nunca conversei sobre frustração.

Antes de me desdobrar sobre frustração, vou frustradamente debruçar-me sobre quão frustrante se pode tornar a vida. Apenas isto. A vida pode ser muito frustrante.

Não vou compartimentar sobre aspectos ou esferas da vida que frustram, que as-há. Não vou desculpar-me com o que me possa ter sido feito ou não feito para gerar tal frustração, que foi e não foi. Não vou purgar nada em particular porque a frustração pode bem ser momentânea como emocional, psicológica e consistentemente sedimentar.

Mas a vida é, deveras, de facto, de sobremaneira frustrante.

Não apenas e somente, mas bastante frustrante.

Quando algo acontece na vida, o embate que não desejamos, mas que temos primeiro é o emocional, o sentimental. As emoções são a reacção química animal com que encaramos os eventos da vida e os sentimentos são a ponte de tradução do nuclearmente químico para o racionalmente relativo. Esta dança de passagem de “linguagem” a “linguagem” é um sádico jogo existencial entre linguagens de programação que jogam ao “telefone avariado” entre si.

Depois, com a maturação (confrontar com maturidade) do nosso Eu, o inicial e puro aparelho morse involui para telefone de disco, que por sua vez regride para o mais avançado telefone sem fios e encontra o seu apogeu primordial no smartphone de sinais de fumo, qual quadro de MC Escher.

Trocando por miúdos, quanto mais velhos nos tornamos, mais cínicos perante o que outrora líamos de forma pura nos frustra por nos depararmos com um evento que frustra por já saber o que lá vem, por contraste à surpresa de realizar que é frustrante quando não era suposto ou não queríamos que fosse.

E Michael Douglas tem uma câmara apontada a si a retratar as consequências disto tudo por pouco menos de duas horas em Falling Down de 1993.

“Um Dia de Raiva”, como é apopleticamente bem titulado em português (para variar), pela interpretação de Joel Schumacher, conta-nos como pode ser criativamente divertido ver um indivíduo bater no fundo: quando a frustração toma conta do ser e abafa qualquer sentimento que pudesse equilibrar e reescrever a química desregulada, quando a relação que nunca foi tida, brigada, reconciliada e fortalecida é consigo mesmo, quando impede o devido luto do que lhe ancora para o fundo, quando asfixia qualquer centelha de perseverança, quando desincentiva o potencial de superação face à assoberbante sociedade fracturada e pessoas que lhe fizeram coisas.

Há explosões, frenesim, humor, crime, expiação, arrependimento e humanidade.

Falling Down entretém ao mesmo tempo que despe e expõe com um nudismo indecoroso de tão cru o que todo e qualquer um de nós com cada vez mais tempo de vida nesta terra já pensou em fazer a alguém ou a algo por algo lhe ter acontecido.

É tão revigorante que “Um Dia de Raiva” baste para a terapia através do audiovisual, qual partir pratos de uma baixela cara de porcelana à medida que nos dá gozo que a Paula Bobone abesbílica, enojada, completamente desconjuntada de desdém que é a nossa consciência, ao mesmo tempo lá esteja, descomprimida, reiniciada e com histórico e cookies de tralha química, emocional e racional são ao mesmo tempo descarregadas ralo abaixo.

Assim, nós estamos prontos a dar-nos a mão, reerguer, colocar a vivência e quotidiano em perspectiva do Eu sozinho, o Eu no colectivo e Eu do agora em diante, e admirar secretamente Bill Foster / D-Fens (Michael Douglas) por querer ter sido ele, mas racionalmente assimilar que “é só um filme” e seguir em frente até à próxima primeira frustração para o caixote vazio.

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