Revisualizando: Home Alone (ou o poder da eterna revisualização)

Rube Goldberg é um tema de vídeos de Youtube que consistem em mecanismos de material caseiro e pura engenharia criativa que se interligam a fazer algo acontecer, geralmente com um berlinde que percorre alavancas, elevadores, peças de dominó, etc para chegar a um destino ou despoletar outros berlindes.

Rube (Reuben) Goldberg foi um cartoonista que tornou famosas estas espécies de máquinas altamente complicadas para realizar tarefas simples através de desenhos animados.

Home Alone tem 30 anos em cima. Foi excelsamente sequelado com a segunda iteração e tem como realizador um dos reis da ternura cinematográfica Chris Columbus (Mrs. Doubtfire, Stepmom, Bicentennial Man, HP e a Pedra Filosofal e HP e a Câmara dos Segredos).

Para quem viu apenas umas 7 vezes dos 23 totais até 2021 emitidas em Portugal, Sozinho em Casa conecta a ternura que John Hughes escreveu e Chris Columbus realizou com a mirabolância do conceito firmado por Rube Goldberg.

Mas a santíssima trindade deste filme tem como estrela-maior o mais jovem actor do elenco na altura: Macaulay Culkin.

Este miúdo foi a inveja de todos os outros miúdos pela sua posição no enredo e pela forma de como os adultos todos achavam derretida e empática piada a um garoto que simplesmente cometeu actos de tortura que são censurados e advertidos em qualquer filme do Rambo.

Joe Pesci e Daniel Stern foram os vilões perfeitos em tom, género e número para elevar a camada principal da narrativa ao nível do que gosto de apelidar este filme como multi-camada.

Sozinho, o garoto teve tempo de antena por demais para poder ter enterrado o filme. Afinal de contas estamos a contar a história de um puto que foi esquecido pela família num agregado francamente numeroso. O talento foi notório, tal que não enterrou o filme para uma entrega de filme de TV, apesar de bonificada e consequentemente se ter tornado em tal. E daí novamente sublinho a importância primordial do contrabalanço dos Wet Bandits para equilibrar o filme e fazer dele o que até agora inabalavelmente é.

Não é por aqui a SIC ter “abraçado o meme” que passou por 23 anos o filme na TV aberta.

É por o filme desafiar o teste do tempo, com uma história intemporal apesar de impensável nos tempos de hoje ou talvez mais verosímil que rocambolesca, dada a estupidificação da era mais inteligente da Humanidade.

É por uma criança com a personalidade de Culkin, a interpretação da personagem Kevin e o pêndulo perfeito da experiência do realizador e mais sénior elenco e vontade em enternecer, hilariar e demarcar quem é bom de quem é “mau” estarem tão naturalmente aplicadas.

É por uma filmografia focada em pessoas para transmitir emoções e em espaços sequenciais e edição semi-brusca para transmitir acções, desprovida de cinegrafia pretensa a prémios ou revolução da experiência visual.

É por o senhor John Williams se chegar à frente com uma banda-sonora evocativa de calor humano com muito recurso a teclas nas alturas de close-up e sequências mais paradas para nos lembrar constantemente que se trata de uma criança sozinha em casa em idade imprópria e sopro e cordas orquestrais nos momentos “aventurescos” a la Beethoven (filme do cão, co-escrito por John Hughes que aparece 2 anos depois) que, volvidos 33 anos, reafirmam que há uma fórmula para ternura que, pela minha memória, não vejo ter sido criada antes de Sozinho em Casa.

Não é só por amplas premiações e nomeações que uma peça de arte é inequívoca e obrigatoriamente melhor que as demais, mas sim  também pelo impacto e repetido efeito que causa em quem as consome.

Se um filme tem uma etiqueta de coisa brilhante na estante de alguém que a fez, mas o Mundo não a conhece, só me faz lembrar daquela frase de Achilles em Troy: “that’s why no-one will remember your name”.

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