O ano é 2008. O tema do filme: rir. O resultado: brilhantismo intemporal e intocável. Mal sabia eu que me deparava com o último suspiro livre de fazer rir em longa-metragem.
Há muitas camadas possíveis de observar em Tropic Thunder. Há slap-stick, há desconforto, há self-deprecation, há crítica, há quebra da 4th wall, há prestações autenticamente memoráveis e há polémica despretensiosa, em todo este cabaz que serve única, pura e simplesmente um propósito: rir com o filme.
Ben Stiller, conhecido actor tornado realizador daquela safra de comédias de desconforto do seio de outro judeu aclamado de nome Judd Apatow (Virgem aos Quarenta, Knocked Up, Funny People) é aqui actor protagonista, escritor e realizador.
O elenco é recheadíssimo de nomes sonantes de dentro e fora da esfera cómica e nomes daqueles actores que aparecem em tanta coisa que vemos e gostamos, mas, por Deus, nunca decoramos ou iremos decorar os nomes.
A saber: Jason Bateman, Bill Hader, Danny McBride, Tyra Banks, Steve Coogan, Jay Baruchel, Jack Black, Jeff Kahn, Robert Downey Jr., Nick Nolte, Matthew McConaughey, Tom Cruise, Jon Voight, Jennifer Love-Hewitt, entre outros.
Stiller conseguiu várias proezas com esta proposta cómica que, para mim, transcende e cunha toda uma era:
– ser estúpido de forma gourmet e científica: há comicidade desde as acções mais pequenas observáveis que não se forçam a fazer rir (Mel Brooks ficaria extremamente orgulhoso com o que foi feito do seu legado depois do uso, re-uso e abuso do que Scary Movie vinha a fazer) à proposta maior de que é todo um filme a fazer pouco da indústria de filmes que vai filmar um filme numa área em que o ego é tão grande que a realidade e ficção são propositadamente homogeneizadas, num espectáculo luxuoso de masturbação deprimente do que se acha ser, do que se é e do que se pretende ser depois de aparentemente se ter aprendido algo com uma mensagem moral que por si só é zombaria desta estrutura de filmes;
– ser irreverente: apesar de ser debatível se irreverência é algo que não deveria ser assinalado pelo filme, como se apresenta e pela altura do pulso social perante questões variadas e enquadramento geral do Mundo, sublinho que esta irreverência é repescada pelas gentes sensaboronas, enfadonhas, sensíveis e constantemente inquisidoras do que é certo e errado, tentada de ofensiva, tóxica e errada. Se na altura chocou pela audácia e agora incomoda porque alguém se lembrou, automaticamente faz-me sorrir, reconforta-me e agita o semblante cansado desta moda do coisinhismo.
– ser diferente: comédia autoconsciente não é algo de novo. Mas tal como só há 7 notas musicais e uma infinidade de formas de as ordenar para criar algo genuinamente novo, também este arquétipo, aqui, foi desdobrado de forma incomparável face ao que se propõe e entrega. Desafia os limites do que é certo e errado de rir, apresentando e deixando que o público assim decidisse. Não dirigiu o riso, não apregoou nada nem deu a mão para fazer rir. Isto não deveria ser marca de diferença. É como elogiar um polícia porque, naquela abordagem, lá agiu de acordo com os procedimentos e não espancou os abordados. Mas tem de ser assinalado. Até Tropic Thunder ter surgido, a comédia estava entre a estagnação e a morte-lenta de um género que por si só, nunca foi premiado ou nomeado para melhor filme, porque comédia, num todo, é vista como uma forma de expressão menor, apesar de ser pioneira, analítica da condição humana e transparente no apontar de dedo. Sublinho: comédia. Não militância cómica. O que Amy Schumer não é engraçado, apesar de ser rotulado de comédia. O que Hannah Gadsby é militância, apesar de ser rotulado de comédia. O que Joan Rivers fez é engraçado, apesar de muitas vezes ter sido conotado de misógino ou “demasiado vulgar para uma senhora”. O que Roseanne Barr tem vindo a fazer é extremamente cómico apesar de acicatar grupos-Voldemort (aqueles em que só de se mencionar, já colocam em causa toda uma existência de quem os menciona), defendendo pontos-de-vista entre os incomuns aos escabrosamente errados, o que faz dela um caso-de-estudo interessante (será que o que diz e faz de escandaloso não terá meramente esse propósito ou estamos a falar de uma Maria Vieira [pesquisem, irão divertir-se com esta personagem bem, mas bem real!] com unha inquestionável sobre como, o que e onde faz rir). O estalo de Will Smith a Chris Rock na cerimónia das coisas brilhantes entre pessoas que têm muito dinheiro e se apalpam com cerimónias às claras e nos escrotos às escuras foi engraçado apesar de não ser rotulado de comédia.
– ser engraçado: nada a desdobrar aqui. Comédia tem como objectivo sumo-pontífice de fazer rir. Tropic Thunder fá-lo por quantas vezes seja revisto, por quantas perspectivas se pretenda atacar para rever e por quantas gerações possam exclamar no mega-fone da atenção que “isto ou aquilo é errado” no filme, mas que secretamente têm contrações nos úteros, reais ou metafóricos (já que me estou a referir a coninhas), de tanto rir.
Quando o Lt. Lincoln Osiris exclama “I’m just a dude playing a dude disguised as another dude”, mal quem escreveu esta linha no guião, quem dirigiu o actor a entregar a fala e Robert Downey Jr. sabiam que estariam a segurar um espelho mastodôntico que coloca em xeque a falta de bom-senso perante um Mundo daí vindouro das causas e quesitos, dos incómodos e ofensas, do tempo a mais que se tem quando não se precisa preocupar com o que verdadeiramente importa: saúde, economia, educação, lazer, arco-íris e OnlyFans dum lado, sobrevivência, fome, precariedade, exploração, classismo e a ascendente indústria asiática em torsos de silicone com textura com 90% de taxa de aproximação à pele humana, e com todos os orifícios para se poder brincar, do outro.