A Hero (ou a força da bondade em resistir à perfeita história de origem de um vilão)

Este filme, neste enquadramento, com estas pessoas e este desenrolar de acontecimentos que despoletam acções e reacções, pode acontecer com qualquer um de nós.

– Uma pessoa vive e lida com a sua vida e envolve directa ou indirectamente, com mais ou menos impacto, outras pessoas mais próximas ou distantes, desde quem a ama a quem a odeia.

– Uma pessoa toma decisões e age sob o condão de boa índole, princípios e vontade de fazer o Bem, mas, desconhecendo como se move o mundo e a co-existência com outras pessoas, não tem em conta na equação dessas decisões que algo pode correr mal por muita vontade que tenha em correr bem porque é algo bom integralmente, ou assim considera.

– Uma pessoa encapsula um leque de características que a tornam singular, promovendo a aproximação a outras por paralelismo de idiossincrasias. Dessas características resulta um cocktail que confere mais ou menos predisposição para lidar com o que a envolve tal como, a espaços, a expõe a agruras cosmicamente destinadas ao seu caminho que lhe testam tal capacidade e encaixe.

– Uma pessoa pode ser mal-entendida, injustiçada, ostracizada e rotulada sem chance de retratação, esclarecimento, compreensão ou mea-culpa, a ponto de atingir a ruptura e estalar o seu rapport OU na plenitude da sua convicção, batalhar para que acima de qualquer conversa inexistente ou pedido de desculpas por formular, tentar remediar a situação, mesmo que com isso fique maculada, quiçá, irremediavelmente.

Este filme excede-se a transparecer isso. É este o ponto forte do filme. O ponto mais forte a seguir a este é o enredo. A terceira e última força é a representação. Tudo o resto não interessa, por mérito de não causar entrave ou entupimento.

Não é a filmografia que surpreende ou inova, não é a banda sonora que cria ou completa a atmosfera e tom da história, não são efeitos especiais práticos ou digitais que promovem alguma sobrecarga sensorial para nos dopar e amarrar à metragem. É a humanidade.

É possível assistir a este filme por diferentes idades, com diferentes capacidades de entendimento do ser humano e mundo, com diferentes posicionamentos sobre como o protagonista e restante elenco poderiam ou deveriam agir ou reagir e este filme transmuta-se a cada visualização.

Infelizmente há um pecado capital que não poderei deixar de assinalar e que para mim fere o filme e por consequência a classificação que lhe dei: buracos narrativos. Num enquadramento moderno, onde há a implementação da mais nova camada de interacção e lidação entre os indivíduos, as redes sociais, há pelo menos dois momentos que estupidificam personagens a levar a conclusões que entalam o protagonista quando 5 segundos de silêncio, raciocínio e lógica levariam a uma normalização de causas e consequências que não exacerbariam a carga dramática que às tantas se intromete e esbraceja por atenção no terceiro acto.

Estes momentos apenas ferem o filme porque o mesmo lá se blinda de alguma hemorragia mortal com o inegável facto inerente às pessoas: emoções. Espantosamente toda a gente nesta história é anormalmente comedida e ponderada até ao tal ponto do emocional e irascível se apoderar desse balanço e aí o caminho não tem volta. Decerto esse vinco cultural por todo o elenco reflecte a visão do realizador e escritor Asghar Farhadi do seu país e do filme (Irão).

A Hero é um filme heróico cujo guião é simples, humano, de entendimento quotidiano e empático para com o espectador que facilmente se coloca na pele de qualquer uma das personagens. Se fosse feito nos Estados Unidos, não teria como durar mais de 20 minutos.


A Hero
Um Herói

ANO: 2022

PAÍS: Irão, França

DURAÇÃO: 127 min.

REALIZAÇÃO: Asghar Farhadi

ELENCO: Amir Jadidi, Mohsen Tanabandeh, Sahar Goldust

+INFO: IMDb

A Hero

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1 Comment

  1. De facto o filme dá que pensar, não só sobre a forma como lidamos com certas situações, mas também como julgamos tão facil e instintivamente, sem dar espaço de manobra para análise ou reflexão.
    Bom filme e boa crítica!

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