Memórias servem como um refúgio distante de momentos marcantes e inalcançáveis de nossas vidas. Sejam nossas lembranças boas, ruins, confusas, ou o que for, uma coisa é certa: todas carregam consigo irremediável melancolia. As memórias estão conosco para nos lembrar de que a vida, assim como tudo que há nela, é efêmera. Nada que é bom dura pra sempre, ou melhor, tudo o que é, um dia virá a deixar de ser.
Aftersun é um retrato das memórias de um momento específico da infância de Sophie, vivida por Frankie Corio, no passado, e por Celia Rowlson-Hall no presente. Entre lembranças, devaneios e registros de vídeo, relembramos a emocionalmente conturbada viagem de férias de Sophie com seu psicologicamente abalado pai.
Misturando o que é concreto com o abstrato e lúdico, Aftersun se faz uma experiência conturbada e imprecisa, completa de muita fragilidade emocional. A edição do filme é sublime, facilmente o ponto alto da obra. A proposital bagunça entre takes, ora simulando efeitos de quedas de frames, ora saltando entre diferentes espaços físicos e temporais sem contextualização, dá origem a uma constante sensação de desconforto, pois é comum se sentir perdido em meio de todo caos imagético.
Frankie Corio e Paul Mescal, que vive seu pai, Calum, são excelentes. O trabalho de ambos é de uma complexidade tão grande, que não é preciso muito contexto para se perceber que a relação entre a menina e seu pai não é das mais simples. É possível ver a ansiedade nos olhos e no gestual da dupla a todo momento, o que denuncia a fragilidade da relação que eles têm um com o outro. Além do estresse de lidar com a recuperação de um braço quebrado, Calum tenta se manter próximo da filha, ao mesmo tempo que luta para combater sua visível depressão. Já Sophie, além de lidar com as naturais descobertas e ansiedades da passagem da infância para a adolescência, carrega sequelas emocionais causadas pela frustrada relação com os pais. O desnorteamento emocional se faz presente na banda sonora carregada de sua melancolia hipnotizante, na fotografia e edição nervosas e confusas, mas, principalmente, na atuação verdadeira e sensível da dupla de destaque.
Mas, infelizmente, nem tudo funciona com tanta sintonia em Aftersun. O filme explora a profunda sensação de melancolia de Sophie ao revisitar memórias complexas de seu passado, e por isso é sensata a decisão de abordar a história com predominante tristeza. O problema é que Aftersun abusa desse sentimento, e cria um filme quase unitonal, beirando o exagero. Às vezes, mesmo em momentos de alegria entre pai e filha, Aftersun inunda suas cenas de elementos deprimentes que nos influenciam a desacreditar que qualquer felicidade que exista na vida dos dois é irreal. A tristeza é sim muito potente, e, se bem explorada, pode trazer muita riqueza para uma obra. Entretanto, para que esse sentimento funcione com seu total potencial, é preciso que haja felicidade em contraponto, pois a tristeza por si só, apenas causa aborrecimento e distância, e essas são as últimas coisas que se espera sentir ao assistir a um filme.
É como eu disse na introdução deste texto: somos seres melancólicos, pois temos noção de que a vida é finita. Sentimos tristeza quando passamos por eventos de fato tristes, mas também podemos passar por isso ao viver momentos felizes. A ideia de deixar de sentir algo tão bom e nunca mais poder reviver, em sua totalidade, os momentos em que sentimos isso, é desoladora, e reforça o aspecto passageiro e insignificante que nossas vidas carregam. Todavia, essa poderosa sensação é capaz de nos incentivar a viver intensamente cada momento feliz que passamos, servindo como motivação para uma existência mais significativa.
Talvez Aftersun quisesse apostar na natural intensidade da tristeza, e achou que o teor singelo da felicidade pudesse influenciar negativamente no resultado da obra. Uma pena, pois o filme tinha o potencial de ser muito mais complexo do que realmente é.
Ainda assim, no final, Aftersun funciona muito bem. Apesar de cansar um pouco com o excesso de tristeza no tom do filme, a atmosfera agridoce que envolve as memórias de Sophie têm êxito em transmitir toda conturbação na relação dela com seu pai, e as complexidades emocionais individuais de cada um. Aftersun não é perfeito, mas, se tem algo que podemos aprender com a relação de Sophie e Calum, é que a beleza também pode morar na imperfeição.