A Haunting in Venice fica entre o ser e o não ser

Sempre olhei para estes filmes de Hercule Poirot de Kenneth Branagh como parentes pobres da saga de Benoit Blanc. Enquanto Ryan Johnson, tanto em Knives Out quanto em Glass Onion, procurou fazer coisas diferentes, desconstruindo o género, dando-nos carismáticas personagens e utilizando muito subtexto; Branagh foi apenas eficiente e até vulgar na sua abordagem a Murder on the Orient Express e Death on the Nile. Ainda assim, apesar de nada trazerem de novo e de serem muito light na sua abordagem, esses são filmes fáceis de assistir e, em ambos, o mistério tem sempre o seu quê de entusiasmante. 

Para o terceiro filme, o cineasta norte-irlandês – que também encarna a personagem principal – procurou dar uma roupagem nova a esta saga. Apostando num mistério envolto numa história de fantasmas e espíritos, este é um capítulo que entra em territórios do cinema de suspense mais “aterrorizado”, ainda que o nosso personagem principal tenha dificuldade em aceitar como real tudo o que está a ver. Nesta história, o famoso detetive até já se encontra a viver os seus dias da reforma, quando é convidado por uma amiga, Ariadne (Tina Fey), para ir a uma sessão espiritual de forma a tentar descobrir como uma famosa medium, Joyce (Michelle Yeoh), engana os seus clientes. Sim, o seu ceticismo leva-o a que não coloque outra hipótese em cima da mesa. Nessa sessão, um homicídio acontece e isso vai obrigar Poirot a sair do seu descanso. 

Se há coisa pela qual estes filmes sempre se notabilizaram é pelos seus fortes elencos. Este novo capítulo não foge à regra. Além dos três já citados pesos-pesados, Rowena – uma das personagens com mais tempo em cena – é interpretada por Kelly Reilly e nomes como Jamie Dornan, Jude Hill, Riccardo Scamarcio e Camille Cottin ajudam a compor o elenco. E são também bastante desperdiçados. Se os guiões e os protagonistas dos filmes de Branagh – escritos por Michael Green – nunca se aproximaram dos de Ryan Johnson, eles sempre conseguiram, ainda assim, ser engraçados, fáceis e prazeirosos de acompanhar. Uma espécie de fast food que até pode satisfazer nas alturas certas. Já em A Haunting in Venice reina a monotonia. Aos atores citados – e ainda acrescento a própria Fey – nada é dado para trabalhar. Há um outro momento em que quase todos eles tentam puxar pelo lado mais emocional, mas nós não temos qualquer interesse pelas personagens que nos foram, desde o início, apresentadas como cinzentas e choronas. Por incrível que pareça, a interpretação que fica mais na nossa cabeça é a de quem morre logo no final do primeiro ato, o que diz muito de como o filme trabalha o desvendar do seu mistério.

Parte disto, claro, pode ser explicado pelo lado mais sombrio e pesado que Branagh quis trazer para este filme. Percebe-se o que ele quis fazer, mais difícil é aceitar que resulte, ficando o filme um pouco a meio caminho de um whoodunit mais leve e de uma abordagem de terror, sendo pouco convincente em ambas as vertentes. O “terror” parece um terror apropriado para crianças, com poucos sustos que resultem e com uma atmosfera mais aborrecida do que assustadora. A componente whodunit é simplesmente desinteressante, com as conversas de corredor a não nos darem muitos motivos de ânimo. Ainda assim, devem ser destacadas algumas boas coisas aqui presentes, sobretudo do ponto de vista técnico, com Branagh a ser o mais imaginativo que alguma vez foi com a câmara. Além de ter ido buscar o preto e branco de Belfast para cenas no passado, o que impressiona mais são os ângulos e movimentos de câmara que o mesmo escolhe, apostando em vários dutch angles, uma utilização subversiva da simetria em cena e até técnicas mais próprias de outros realizadores – como Danny Boyle! – na forma como nos apresenta alguns estados de alma do nosso protagonista principal em períodos de maior caos. 

O final da história sabe a pouco e a revelação do assassino é bastante previsível – acreditem, normalmente sou dos que não acerta – e até anti-climática, sem muito esforço, sem muita convicção. Por ser tão sombrio e com mais elementos de terror, este deveria ter sido o meu capítulo favorito, mas desapontou-me por não ser carne, nem peixe. Branagh faz bonitas coisas com a câmara – como nunca tinha feito nesta saga -, mas esqueceu-se de que um mistério forte e personagens carismáticas são os ingredientes mais importantes de whodunits. No final, deixou-me mais aborrecido do que entusiasmado.


A Haunting in Venice
Mistério em Veneza

ANO: 2023

PAÍS: EUA

DURAÇÃO: 103 minutos

REALIZAÇÃO: Kenneth Branagh

ELENCO: Kenneth Branagh; Camille Cottin; Jamie Dornan; Tina Fey; Jude Hill; Ali Khan; Emma Laird; Kelly Reilly; Riccardo Scamarcio; Michelle Yeoh; Kyle Allen

+INFO: IMDb

A Haunting in Venice

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