Esta recontagem animada da história da fundação dos Estados Unidos com tentativa cómica de Hollywood mostrar que consegue autocrítica mordaz e incisiva liberalzinha tem a mesma validade que uma crónica feminista da Fernanda Câncio sobre as mamas da Lenka: aponta o dedo com sinalização de sexismo e sociedade podre para dias antes, estar a babar-se de forma hipócrita pelos peitorais do Renato Sanches.
Sou suspeito. Tenho 31 anos. Por contraste a uma palestra em tom de raspanete vinda da classe que criou o ecossistema visado, se alimenta parasiticamente dele e enriquece com ele empobrecendo-me e aos meus pares, estou habituado a grandes exemplos de crítica, autocrítica e farpas de altíssima qualidade humorística, seja de filmes, séries, animações ou outras formas de expressão vindas daquele ninho de cucos chamado Estados Unidos, dos quais destaco de repente:
– South Park critica com nível de elite há décadas, numa mestria que alia o humor, a subversão da mensagem e os demais elementos que compõem esta animação que só a Trey Parker e Matt Stone lhes é afecta e justamente reconhecida.
– Jon Stewart esteve no topo da comédia satírica com o formato disfarçado de notícias para, precisamente, fazer a dupla crítica: os objectos criticados (política americana) e os meios de informação que veiculam as suas agendas, sempre com uma isenção exemplar, com balas e bolinhos para todos os lados da discussão que, depois de fazer rir e expor o ridículo da existência pelo rebentar de bolha de pensamento formatado, fazia pensar e questionar, acima de tudo.
– George Carlin foi um lendário nome no stand-up americano onde pautou a sua carreira entre o fazer rir e o apregoar de linhas de raciocínio sempre no epítome da ousadia, liberdade de expressão e exposição do ridículo em tudo. Tudo!
America: The Motion Picture falha de forma atroz na mensagem que quer passar, socorrendo-se da comédia de referências (Scary Movie – que começou como paródia a filmes de terror e evoluiu para paródia de acontecimentos populares, outras comédias flácidas de paródia a filmes) para gozar com a história dos “pais fundadores”, dos acontecimentos históricos adjacentes até à declaração da Independência e com a dose indigesta de condescendência, evocações e inclusão pelo bem de incluir, sob capa de ser tolo e com a máxima de fundo “homem hétero branco rico mau e burro”.
Não estou a exagerar quando não recomendo a absolutamente ninguém que veja este filme na esperança de ser entretido. Não é para crianças pois mostra mamas, sangue e tripas e contém vernáculo, portanto só posso estimar que o público-alvo tenha sido apontado ao adulto (ou seja, eu). Como tal estou profundamente ofendido pelo tempo que perdi.
Alguém que, pelo caminho de ler isto, diga ao Channing Tatum que ele não é actor. Não deveria ser. Não deixará saudade. É a voz do personagem principal da trama e faz-me sangrar na alma tê-lo ouvido. Maldita hora fui ver que era ele o tal.
Aqui só se aproveita a animação. Vejam o filme sem som e apreciem a animação, por vossa própria conta e risco.
PS: só me ri de uma piada. Aconteceu na marca 1:31:14. Isto era para ser uma animação de comédia. 1 estrela.