Leos Carax, realizador francês, faz a sua estreia em inglês com o filme mais perfeitamente disparatado e bizarro que alguma vez vi na vida. Adam Driver, Marion Cotillard e Simon Helberg são os merecidos protagonistas de Annette, um musical escrito por Ron Mael e Russel Mael, o duo da banda Sparks.
Annette é o filme mais estranho que alguma vez vi na vida e acredito que nenhum outro o vá tirar do seu posto. É completamente bizarro, macabro, folclórico, provocante, fascinante, insano: uma mixórdia de loucura extrema! É de difícil compreensão, – até agora acho que não o compreendi na sua magnitude – de difícil visualização e, definitivamente, não é para todos os gostos. Annette é único e Leos Carax quis de todas as formas deixar isso claro, não fosse Annette uma bebé marioneta que canta. E, mesmo sendo tão estranho, provocante e ter cenas de sexo tão incrivelmente traumáticas – para os meus ricos olhos – o ódio que sinto pelo filme não consegue ser maior do que o meu interesse por ele. Entendam: ou se ama Annette, ou se odeia Annette ou, então, ficámos tão perdidos com tudo o que se está a passar que acabámos o filme sem perceber o que sentimos… amor? Ódio? Um misto dos dois? Eu escolho, claramente, a última opção. A verdade é que, uma coisa é certa, podemos sentir tudo, menos indiferença. Isto não é um musical qualquer ou um drama qualquer. Isto é uma junção de todas as fantasias malucas de um realizador que conta com a ajuda de actores mais do que competentes para abraçar a loucura tornando-a credível e digna de aplausos. Isto tudo embalado ao som de músicas num estilo meio ópera-rock, cortesia dos irmãos Mael.
O filme tem na cinematografia de Caroline Champetier o aliado perfeito para uma viagem alucinante onde Adam Driver dá vida a Henry, um famoso comediante, que se apaixona pela personagem de Marion Cotillard, Ann, uma estrela em ascenção no mundo da ópera. Os dois são a personificação de opostos que se atraem. Ann é doce, delicada e Henry possui uma amargura que deixa transpassar nas suas performances. Juntos formam o típico casal “perfeito” de Hollywood, mas nada do que parece é. Depois do casamento, Ann engravida e nasce Annette, uma boneca de madeira. Sim, não leram mal, e se acham que o facto de Driver e Cotillard terem de contracenar com uma marioneta é a coisa mais estranha que vão ver neste musical, então, preparem-se! Porque o carnaval dos horrores geniais está longe do fim. Em Annette, vemos o desenrolar desta história de amor transformar-se num terror que não só serve de crítica a forma como idealizamos famosos, como também aborda temas como o ego excessivo, a autodestruição, relacionamentos tóxicos e, acreditem, ou não, tem um pinóquio que não é a boneca. Carax não tem medo de arriscar e não tem a mínima intenção de agradar as massas. Isto não é um musical fofinho e leve. Longe disso, Annette é tão surreal quanto sombrio e carnavalesco e só funciona na perfeição porque os seus protagonistas aceitaram correr o risco, ou melhor, todos os riscos.
Adam Driver é, inequivocamente, a estrela do musical e a sua atuação tanto no filme quanto na peça foi loucamente majestosa. São muito poucos os que conseguem transformar o absurdo em algo que aceitámos simplesmente pelo facto de estar a ser tão bem feito. Por mais ridículas que quase todas as suas cenas me parecessem não conseguia desviar o olhar, admirar o seu talento e emocionar-me. E se Driver é a estrela do filme não falar de Marion Cotillard ou de Simon Helberg seria um erro crasso. Cotillard entregou-se de corpo e alma, abraçando o abismo do absurdo oferecido por Carax. Helberg, conhecido pelo seu papel na série cómica The Big Bang Theory, foi, para mim, a maior surpresa. Conheci-o na comédia e nunca o vi em outro papel, por isso, vê-lo dar vida ao seu personagem deixou-me boquiaberta. Não sabia que ele tinha tudo aquilo e mais um pouco para oferecer. Formando esta trindade divinal, Driver, Cotillard e Helberg foram os loucos sãos que fizeram deste manicómio de nome Annette um filme sério. E essa loucura ficou-lhes tão bem!
Mesmo que os seus primeiros actos sejam providos, na sua maioria, de demasiados momentos estapafúrdios, que a cantoria decorra em momentos inoportunos, que seja um filme pesado e com muita coisa a acontecer ao mesmo tempo, Annette é tão profundo quanto bizarro e é nessa profundidade – tão bem representada no último acto – que reside o meu amor por este quadro surrealista de Corax e dos irmãos Mael.