Em 2012, Thomas Vinterberg e Mads Mikkelsen foram bastante elogiados, pela crítica e pelo público, pela sua parceria em The Hunt – A Caça (Jagten no original). O filme conta-nos a história de um professor primário acusado de pedofilia e de como essa acusação acaba por abalar toda a vida da personagem vivida por Mads. Na altura, a frieza da realização de Vinterberg, aliada à “capacidade-camaleão” de Mads, tornaram o filme numa obra obrigatória para quando se fala do poder dos boatos e de como isso pode manchar a reputação de qualquer pessoa. Oito anos depois, os dois voltam a encontrar-se, trazendo consigo outros grandes nomes que faziam parte do elenco desse filme.
A abordagem de Another Round é diferente. A componente dramática continua presente, mas não é um filme tão pesado, ao incorporar, de forma bastante assertiva, elementos cómicos à sua narrativa. A premissa do filme pode-se, até, confundir com a de um qualquer filme de comédia de quarentões norte-americanos (mas não se enganem!). Quatro professores amigos, na casa dos 40, percebendo que perderam parte do brilho dos seus tempos mais jovens (especialmente a personagem de Mads, Martin), concordam em fazer uma experiência: testar uma teoria que diz que todos nós devemos consumir uma certa quantidade de álcool diária, de forma a que nos tornemos menos inibidos e que a nossa criatividade aumente.
Claro que isto nas mãos de um outro realizador, poderia transformar-se muito bem num The Hangover ou similar, descambando para a paródia completa. No entanto, Vinterberg não vai por aí. Nem no tom escolhido – o drama e a comédia são parceiros durante toda a obra –, nem na abordagem que faz ao tema, do ponto de vista das escolhas dos personagens, que chegam a ser bem questionáveis do ponto de vista moral. Será que Hollywood seria capaz de produzir um filme em que, de forma séria, um professor sugerisse a um seu aluno, que bebesse um pouco de álcool antes do exame final de ano? Tenho sérias dúvidas que tal pudesse acontecer (fala-se de um remake norte-americano, então cá estamos para ver…) e, ainda que a ideia fosse aprovada, as críticas choveriam por parte das mentes mais sensíveis nas redes sociais.
Os quatro amigos não são perfeitos. Tal como na vida ninguém o é. Existem problemas no casamento de Martin que já conhecemos, mas também existem dúvidas e arrependimentos nas personagens de Nikolaj, Tommy e Peter. O próprio Peter pergunta-se, a certo momento: “Será que somos alcoólicos?”, ao que Nikolaj responde que não, pois “os alcoólicos não se conseguem controlar e nós decidimos quando beber e quando parar”. A verdade é que, como esperado, a experiência descamba, e as consequências disparam em várias direções, provando que na vida (quase) tudo pode ser aceitável, desde que com a devida moderação.
Depois de um primeiro acto que nos apresenta as personagens e as suas realidades; o segundo vai-nos mostrando as consequências positivas e negativas da experiência. Se por um lado, os amigos parecem ter criado uma união maior entre eles e se mostram mais motivados para quem está à sua volta; também é verdade que, à medida que aumentam a dosagem recomendada, as coisas começam a ficar “um pouco” fora de controlo, com consequências trágicas a adivinharem-se. O terceiro acto é o mais sentimental de todos, mas sem nunca chegar a cair no melodrama exagerado.
Vinterberg sabe o que faz. Ao não nos dar personagem perfeitas, ao nos apresentar pessoas comuns, sabe que qualquer um dos amigos poderia ser um de nós. Sabe também que as fronteiras claras entre o certo e o errado ficam para os filmes da Marvel e não para a vida real. E sabe que a cada tragédia, o ser humano tem o poder de acordar na manhã seguinte, mudar a sua atitude e fazer do mundo um belo sítio para viver. Uma menção especial a Mads Mikkelsen, que é um monstro na forma como encarna, na perfeição, a personagem que desempenha, dando-lhe uma credibilidade inquestionável e colocando em prática toda a versatilidade que o papel lhe permite. A última sequência do filme – sem querer spoilar – é um hino absoluto ao cinema e um hino à própria vida. Não só pela qualidade técnica evidenciada por Vinterberg e pelos atores em cena, mas também pela energia e misto de sentimentos que nos transmite. Agora, venha daí mais uma rodada!