Argentina, 1985 é um grande filme!

Encontrar defeitos ou fragilidades em Argentina, 1985 é uma tarefa difícil. Eu mesmo, não consigo fazê-lo. Da escrita, passando pelas atuações, até a realização. A todos os campos que o filme toca, o faz com perfeição, ou beirando isso, no mínimo.

Santiago Mitre (realizador) é cirúrgico. Seu olhar cinematográfico é tão sensível e natural que, por mais que suas intenções em cena fiquem claras aos olhares mais atentos ao fazer/consumir cinema, suas escolhas criativas se mostram não como uma bela abordagem para seu filme, mas sim como parte essencial e indispensável da história que conta.

Ao início do filme, por exemplo, sempre que seguimos Julio Strassera (Ricardo Darín), o fazemos com uma câmera inquieta, que insiste em balançar em uma ansiedade angustiante. Isso traduz com perfeição o estado psicológico de Julio. O homem se encontra em um dos, senão o momento mais importante e delicado de sua vida. A Julio, cabe a tarefa de levar à justiça os principais líderes militares que regeram a recém destituída ditadura militar da Argentina. Julio está uma pilha de nervos, e não é para menos. Não só a justiça está em suas mãos, como a segurança de sua família corre risco ao exercer seu trabalho. Porém, assim que se compromete de vez com sua missão, não há mais volta. É preciso deixar as distrações e sabotagens emocionais de lado, e focar no trabalho. E é a partir daí, que passamos a acompanhar Julio com todo o foco que ele carrega, e a estabilidade de câmeras firmes e concentradas passam a fazer parte da experiência. 

O realizador não compõe um trabalho que funciona como molde para a história, ou como reflexo dela. A realização funciona como uma extensão das próprias personagens, criando, assim, um universo em completa sintonia.

Há muito humor em Argentina, apesar do tema sério e a predominância do drama. Porém, a comédia aqui existe em harmonia com o teor dramático, e não à parte do mesmo. Quando o humor se faz presente, não o sentimos de forma pontual, deslocada do resto do filme, pois ele trabalha a serviço da obra, ajudando na construção dos relacionamentos entre as personagens, e demonstrando a forma delas lidarem com o momento árduo que enfrentam.

Acompanhada desse sempre presente humor, está a ótima banda sonora do filme. Argentina tem peso e seriedade constantes em suas composições sonoras, mas é quando se permite com floreios leves, que as músicas presentes no longa brilham. Em meio a intensidade sonora de Argentina, encontramos sonoridades suaves, em geral, geradas a partir de instrumentos de sopro, que enchem o filme de um ar lúdico, quase fantasioso. É como se as personagens se enchessem de esperança com sua luta, mas, apesar de a justiça e um futuro melhor estarem cada vez mais próximos, tudo parecesse um sonho distante, de difícil credibilidade.

E tudo isso faz de Argentina, 1985 um título extremamente fluído e prazeroso de se assistir. A presença de Ricardo Darín no elenco do filme, por si só, já é motivo suficiente para fazer valer o tempo investido. Afinal, não é à toa que Darín é tão renomado, o homem trabalha tão bem, que em momento algum, parece estar atuando. Some isso a uma realização minuciosa e sensível estruturada por um argumento arrebatador, e o resultado é um filme obrigatório para qualquer um que aprecie a sétima arte.

Que filmes como Argentina se façam sempre presentes entre nós, pelo bem do bom cinema, e para manter sempre viva a memória das desgraças que uma ditadura pode trazer para toda uma nação. Que mais obras se permitam apostar em outras abordagens para retratar temas tão sérios como a luta contra um regime opressor, além do drama pesado e indigesto. Desde que haja bom senso e respeito envolvidos, até mesmo o humor é bem-vindo.

Que bela experiência é assistir a Argentina, 1985. Grande filme!


Argentina, 1985
Argentina, 1985

ANO: 2022

PAÍS: Argentina

DURAÇÃO: 2h 20min

REALIZAÇÃO: Santiago Mitre

ELENCO: Ricardo Darín, Gina Mastronicola, Francisco Bertín

+INFO: IMDb

Argentina, 1985

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