Experiências únicas. É isso que o cinema – tal como qualquer outra arte – procura incessantemente. Nem sempre isso se consegue, mas, independentemente de qual venha a ser a vossa opinião, sobre Babylon, uma coisa vos garanto: vão ser apanhados desprevenidos, vão sentir algo. Damien Chazelle, depois de Whiplash, La La Land e First Man, achou que era hora de fazer aquilo que lhe desse na cabeça. Fezes de elefante, golden showers, nudez, orgias, drogas. A primeira meia-hora de Babylon é muito. E muito nos diz também para que tipo de público isto é. Quando Chazelle anunciou um elenco recheado de estrelas, muitos suposeram que ele ia em busca de Óscares. Claro que não! As cenas iniciais são quase um manguito – perdoem-me a expressão mais do que adequada depois de verem Babylon – de Chazelle a tudo isso, sabendo muito bem que há um tipo de audiência que nunca conseguirá regressar do nojo que sentiu durante aquele primeiro ato.
Babylon é um filme sobre Hollywood, sim. Mas é um filme sobre uma Hollywood dos anos 20 e 30 que vocês nunca viram. Acreditem, isto não é nada que tente dourar a pílula. Aqui vai-se a todos os possíveis excessos porque foram também esses excessos que permitiram chegarmos até aos dias de hoje. A história é maioritariamente mostrada na perspetiva de Manny (Diego Calva), um imigrante mexicano que também ele sonha em fazer parte daquele mundo. Manny é alheio a muito do que esse mundo é e a muito do que dele lhe será exigido. Em diferentes momentos do filme vemo-lo como mero observador daquele admirável – mas longe de perfeito – mundo. Desde cedo a sua relação com Nellie (Margot Robbie) toma conta do ecrã. Conhecem-se nas cenas iniciais do filme e é com eles que vamos até às cenas finais. Nellie é o oposto de Manny. Se Manny gosta de se mostrar calmo, manter-se cauteloso e jogar de acordo com as regras do jogo, Nellie é uma autêntica força da natureza que suga toda a energia de uma sala para si e que, embora tenha evidentes qualidades na arte da representação, tem muita dificuldade em fugir daquilo que é quando as câmaras não estão a filmar. A tudo isto junta-se Jack Conrad (Brad Pitt), já uma estrela quando o filme começa e uma das personagens que tem um dos arcos mais importantes do filme, andando de mãos dadas com as principais temáticas desta obra: a passagem do tempo, o impacto que todos deixamos no mundo, mas também a selvajaria que é esta indústria que de nada nem ninguém tem pena.
Esta crítica não convencerá ninguém. Isto é um filme que nasceu para ser divisivo e assim o será. E ainda que a loucura e o caos estridente do primeiro ato tenda a estabilizar, mesmo depois disso, Babylon continua a apresentar surpresas e momentos de abrir a boca a cada cinco minutos. E ainda bem porque isto são três horas. Três horas que se sentem. Mas, curiosamente, são três horas que se sentem muito mais durante todo o primeiro ato, quando ainda estão pouco definidas as posições no tabuleiro, sendo tudo mais fluído quando todas as relações e oportunidades vão evoluindo e quando o filme se torna bem mais interessante como objeto de estudo, tendo em conta todo o subtexto que apresenta.
Os arcos de personagens são elemento a destacar – mesmo os de personagens secundárias como Sidney (Jovan Adepo) e Fay (Li Jun Li) – e estes só funcionam tão bem porque há atores sensacionais a vivê-los. Diego Calva é uma enorme surpresa e faz exatamente o que o papel lhe pede e exige de forma transformadora em diferentes momentos do filme, Brad Pitt é o habitual monstro numa personagem que em determinados momentos (o impacto familiar…) até poderá parecer-lhe bem próxima da realidade e Margot Robbie é uma autêntica força da natureza, uma atriz que não precisa de muito para encher o ecrã e que tem aqui muitas oportunidades de provar o seu valor como protagonista dramática e cómica, com uma expressividade fora do comum.
Sabe-se que Chazelle adora música e, como tal, não surpreende que a componente musical seja aqui tão importante. A composição de Justin Hurwitz é do melhor e do mais bonito que se faz e se fez no cinema, enquadrada com a época e com os temas em questão. Há festa, há loucura, há romance, há conflito, há medo, há melancolia, há tristeza, há Hollywood. Todo esse espetáculo sonoro acompanha sempre lado a lado tudo o que nos é apresentado a nível visual: grandes cenários, vestidos espampanantes, luxo, mas também decadência, vómitos e morte.
Além do misto de sensações que me provocou o primeiro ato, o filme tem também problemas a conectar todas as suas histórias e sub-histórias. Por vezes, assistimos a cenas fantásticas, mas é difícil justificar a relevância das mesmas para a evolução da trama principal. Ainda assim, estão lá para nos dar mais deste mundo e todos os defeitos que este filme tem ficam sempre à sombra daquilo que de bom tem, incluindo aquilo que tem para nos dizer. Com tudo o que até aí vimos, não é de admirar que o final tenha também a sua dose de surpresas e risco. Faz algo único. E, mais uma vez, isso deve ser de elogiar. Será também divisivo. Entendo que possa ser visto como lamechas ou demasiado açucarado. Para mim é uma das mais belas homenagens que o cinema já fez a si mesmo, tal como toda esta obra acaba por sê-lo. Um filme imperfeito tal como o mundo que representa.
Babylon é um filme que tem tudo e, por vezes, isso pode ser demasiado para algumas pessoas. O meu conselho é que fiquem até ao final. No final do primeiro ato nem tinha a certeza se estava a gostar. Quando terminou passou a ser o filme que mais me faz admirar Damien Chazelle. Acreditem, é preciso dinheiro para fazer isto, mas também são precisas bolas. Perdoem-me a expressão, mas isto é sobre Babylon e Babylon isto é.