Um crítico deve ser imparcial. E aqui assumo que talvez não seja o melhor crítico do mundo, porque há temas aos quais não consigo deixar de lado a minha parcialidade. Este filme é um deles, por ser tão pessoal para mim. Roberto Baggio foi um dos maiores jogadores da história do futebol (em 1999, ficou em 4º lugar na lista dos melhores do século passado, numa sondagem ao público, feita pela FIFA). Mas mais do que isso, ele era o maior jogador do mundo para o meu pai, era o seu favorito. Curiosamente, este filme, Baggio: O Divino Rabo de Cavalo (título português), foi lançado no mesmo dia em que o meu pai completaria mais um ano de vida, não nos tivesse deixado tão precoce e inesperadamente há pouco mais de um ano. Era por isso, para mim, impossível manter-me indiferente a esta produção italiana da Netflix.
Confesso que quando vi a duração do filme – 91 minutos – fiquei de pé atrás. Usualmente, sou o maior defensor de filmes curtos (nunca me irão convencer que 150 ou 180 minutos são necessários para contar uma história de super-heróis e explosões gigantescas a cada cinco minutos) e sou um dos maiores fãs de edições que cortem toda a palha do guião inicial, transmitindo-nos os mesmos sentimentos, sem a necessidade de nos tirarem uma tarde inteira de vida. No entanto – e apesar de apenas me recordar dos últimos anos de Baggio como jogador – sabia que havia material para muito e reduzir o homem e o jogador a uma hora e meia parecia-me, no mínimo, arriscado. Infelizmente, não errei. O filme começa numa fase bem prematura da carreira de Baggio, ainda antes da sua primeira lesão e da sua primeira grande experiência na Serie A (a 1ª divisão italiana) e começa bem. Mostra-nos as suas certezas, as suas dúvidas, os seus receios, as suas crenças e apresenta-nos aqueles que foram fundamentais para que Roberto pudesse ser o Baggio que todos conhecemos. Qual não é o meu espanto, quando, praticamente de seguida, o filme me transporta para o Mundial de 1994, o muito recordado Mundial dos Estados Unidos, onde Baggio falhou o decisivo penalty na final, que viria a dar o título ao Brasil.
Este não foi o primeiro grande salto cronológico – já antes, víramos Baggio passar de provável dispensado da Fiorentina a convocado para a selecção nacional num salto temporal de 4 anos pouco explicável – mas foi este salto que, definitivamente, me disse que o filme não iria ser suficientemente satisfatório. Cada escritor e/ou cada realizador têm o poder nas mãos, a decisão de escrever e/ou colocar no ecrã aquilo que bem entenderem, pois essa é a sua história. No entanto, tratando-se de uma biografia que tem como objetivo abranger toda a carreira de Baggio, esquecer a sua transferência da Fiorentina para a Juventus, todos os seus maiores sucessos na Juventus (a nível interno e europeu), o seu primeiro Mundial da carreira ou não nos mostrar o que sentiu quando venceu o prémio de melhor jogador do mundo, é algo imperdoável. Depois desse Mundial de 94, o filme transporta-nos, quase de seguida, para o Brescia e para a época 2001/2002, esquecendo mais uma vez alguns dos momentos mais importantes da sua carreira (as passagens pelo Milan e pelo Inter nem mencionadas são; e muito menos o Mundial de 1998).
O filme apresenta um bom trabalho visual, uma edição interessante no que nos mostra (não sei se cortou cenas em demasia, pois não tenho acesso ao que foi gravado), tem atuações convincentes e apresenta-nos várias frases, que são mensagens marcantes que terão marcado a vida do homem e jogador. A relação entre Baggio e o seu pai e entre Baggio e Arrigo Sacchi (seleccionador em 94) são também razoavelmente bem transpostas para o ecrã. No entanto, tudo o resto é feito de um modo tão apressado, que nem os momentos mais dramáticos (o penalty falhado; alguns dramas familiares; a não convocação de Trapattoni) nos deixam sentimentalmente tocados, como o deveriam fazer. Se queriam fazer um filme de 90 minutos de Baggio, que se centrassem só num período: ou a passagem pela Juventus, ou o Mundial de 94, ou o pré Mundial de 94, ou o pós Mundial. Não havia mal nenhum nisso. Há filmes biográficos que reduzem a sua abordagem a um período específico da pessoa em causa (Lincoln e Selma são alguns exemplos recentes) e resultam bem. Mal há em querer reduzir todo o Baggio ao que foi mostrado no ecrã.
No final, fico com a certeza de que apreciei o que vi, mas que me soube a uma boa entrada, para me abrir o apetite, sem nunca me ter sido servido o prato principal. O filme nunca nos mostra porque é que Roberto Baggio foi o lendário jogador que foi e isso nunca irei perdoar. Porque Baggio foi mesmo um dos melhores de sempre.