Barbie é um exagero de exposição textual e bom humor!

Barbie é um absurdo. Do humor besta, às atuações exageradas, até os enormes cenários de plástico rosa: tudo é um completo exagero. Greta Gerwig, que co-escreve, realiza e produz o filme, constrói um universo cujas cores e vida são tão gritantes, que quaisquer internalizações e complexidades nas entrelinhas do texto são dispensáveis. Barbie nos convida a pôr tudo para fora através de genuínas e escandalosas risadas, e torna seu texto expositivo completamente aceitável.

Barbie faz uso de autocrítica para movimentar sua trama. A grandiosa linha de bonecas é responsável por marcar a infância de milhares de crianças pelo mundo todo há mais de sessenta anos. Mas, além de fazer parte da formação de mais de uma geração, Barbie também contribuiu muito para a manutenção de padrões estéticos irrealistas que afetam, em maioria, o público feminino, que é o alvo da marca. Com isso em mente, Greta usa a imagem da boneca padrão Barbie, personificada por Margot Robbie, como uma figura disruptiva que, em resposta à uma crise existencial, atravessa uma jornada edificante de questionamentos e autoconhecimento.

É de se esperar, então, que Barbie abranja discussões acerca de ansiedades femininas para com seu corpo e comportamento. E assim o faz. Entretanto, é admirável que Greta e Noah Baumbach, co-argumentista do filme, vão além em seu texto, trazendo à tona comentários sobre capitalismo e patriarcado, sempre com muita ironia. É claro que todos os campos que citei são consequentes um dos outros, e por isso estão interligados naturalmente, mas entendo que seria mais confortável manterem-se presos às amarras de problemáticas mais estéticas, portanto mais palpáveis, e deixar o resto nas mãos do subtexto. Grande acerto dos argumentistas.

E para apresentar sua história, Barbie conta com um argumento completamente baseado em exposição verbal, como pontuei anteriormente. Geralmente recebo mal produções que optam por verbalizar demais os assuntos trazidos pelo argumento, mas a proposta de Barbie é tão condizente com a ideia de trazer tudo à tona nas linhas de diálogo, que não pude evitar de receber o texto do filme com surpresa e apreço.

E toda esta literalidade se faz valer pela divertida construção das personagens do filme. Na utópica Barbieland, todos são representações físicas das bonecas Barbie que se encontram em nossas casas. Cada Barbie, Ken, e até mesmo o Allan, é o que é, sabe muito bem disso, e vive para deixar isso bem claro para todos que cruzam seu caminho. Os cidadãos de Barbieland não passam de uma ideia dos brinquedos que representam, e tem como objetivo manter essa ideia, sua existência, sólida e constante. Portanto, é natural que tais personagens exponham constantemente tudo o que lhes vem à cabeça. Isso é tudo o que são, e assim se comportam por natureza.

Todavia, devo admitir que não sou assim tão ingênuo, e sei que o real objetivo de abusar da exposição é deixar as mensagens que o filme quer passar bem explícitas a todos que o assistem. Muito do que Barbie denuncia e ironiza, quando trazido à tona, é tido por boa parte de seus receptores como besteira, meras frescuras de pessoas “frágeis e vitimistas”. O famigerado e ingrato mimimi. Por isso, considero de bom gosto a proposta de abordagem. Barbie é um filme que carrega consigo a bagagem de uma enorme marca de alcance absurdo. Assim sendo, o filme certamente atingirá públicos não tão sensíveis a quaisquer discussões que obras cinematográficas possam trazer, pessoas mais descompromissadas com pautas socioculturais e/ou políticas, que, através da literalidade escrachada de Barbie, podem ser incluídas no que há de mais complexo no filme, e serem levadas a refletir para além da sala de cinema.

Didatismo talvez seja a palavra certa para adjetivar o argumento de Barbie. E tudo bem. Pois a grande externalização em forma de filme que Barbie é, se apresenta, por diversas vezes, como uma grande, relaxante e bem humorada terapia. As personagens desabafam constantemente, seja às lágrimas  ou encharcadas de uma intensidade hilária, todas suas angústias e questionamentos. Eu sei, tal ideia parece cansativa e estúpida. Pois o filme sabe disso e se aproveita da situação. Para elaborar melhor, sigamos para as personagens de Barbie.

Comecemos por Glória, vivida por America Ferrera. Acho interessante trazê-la primeiro pois, além de um ótimo exemplo da autoconsciência do filme, é uma personagem divergente das de maior destaque. Diferentemente dos cidadãos do mundo da Barbie, Glória é pensada de maneira mais realista, com intenções e ânsias mais internalizadas. Todavia, ao entrar em contato com Barbie e trilhar caminhos que não posso comentar sem entregar surpresas do filme, Glória se encontra encorajada para expôr para o mundo tudo o que realmente é, e luta diariamente para conter. Em certo ponto, ela protagoniza uma catártica cena de enorme exposição discursiva. O filme sabe da importância de tudo o que é dito, e concede à cena o devido impacto. Entretanto, Barbie entende também que cenas do tipo podem soar enfadonhas e cansativas e, em resposta ao impacto causado por Glória, faz do momento uma grande piada. Mas uma piada levada a sério, que resulta muito bem, e serve como principal elemento para solucionar problemáticas importantíssimas para o filme.

A protagonista Barbie, por sua fez, também se transforma ao entrar em contato com o mundo real. Ao enfrentar as verdades que vão de desencontro com as expectativas utópicas que alimentava em relação ao nosso mundo, Barbie vai sendo provocada a experimentar novas sensações, e descobre em si uma complexidade jamais imaginada por ela. É lindo de se ver. Margot Robbie está fantástica no papel. Não há o que dizer: ela simplesmente É a Barbie!

E quanto ao Ken de Ryan Gosling? Que espetáculo! Gosling é simplesmente perfeito no papel do bronzeado bobão, imaturo, apaixonado e dramático. Com uma prestação irônica do início ao fim, Gosling, junto da realização, dá vida a um dos, senão o melhor alívio cômico apresentado pelo cinema nos últimos anos. Uma grande sátira à fragilidade masculina, que nos garante piadas e números musicais de extremo bom gosto e bobagem.

O elenco de Barbie é, de um modo geral, excelente, composto por uma personagem mais carismática que a outra. Michael Cera é sempre ótimo, e aqui não está diferente, Kate McKinnon é divertidíssima, e até mesmo John Cena aparece aqui só para nos fazer rir de sua cara de abobado. São tantos nomes, e estão todos tão bem, que fica difícil desenvolver mais neste texto sem perder o rumo do que planejei em meu brainstorming. Entretanto, devo destacar também Will Ferrell, que interpreta o CEO da Mattel. Ferrell, apesar de fazer parte do mundo real, é tão estúpido e irrealista quanto todos na Barbieland. O CEO da Mattel faz parte de uma divertida sátira às grandes empresas que visam o lucro acima de tudo, e mascaram isso com discursos vazios em nome de causas sociais e demais preocupações do mundo atual. É brilhantemente escrito e atuado, e impressiona pelo fato de ter sido aprovado pela própria Mattel.

Além disso, a personagem de Ferrell faz parte de todo um núcleo muito intrigante do filme: o prédio da empresa Mattel. Quase como se fosse uma ponte entre os dois mundos, da imaginação e o mundo real, a empresa é apresentada como um limbo daquele universo, onde o realismo do mundo humano e o absurdo fantasioso da Barbieland se confundem e se misturam. É como uma prova física de que a existência de um mundo das ideias cor-de-rosa não é lá tão absurda neste universo. Tudo o que lá existe é derivado de um local perdido entre a fantasia e a realidade.

E o que há para se falar do mundo da Barbie? É simplesmente mágico e carismático. Enormes cenários físicos, erguidos pela equipe de arte do filme para nos fazer sentir parte da grande brincadeira chamada Barbieland. Tudo é palpável, cheira a plástico, e instiga nossas crianças interiores a voltarem a brincar com bonecos e bonecas. Barbieland é um feito impressionante, lindíssimo, que transborda toda a dedicação e carinho que a produção de Barbie depositou em seu trabalho para trazer ao mundo este pedaço lúdico da nossa infância.

Barbie é um grande feito. Um marco cultural e comercial. Um dos maiores filmes do ano e, certamente, um dos mais importantes da década. Greta Gerwig é ótima e sua sensibilidade, somada ao seu apurado senso de humor, fazem de Barbie uma obra deliciosamente boba, mas suficientemente profunda e cheia de coração. Que filme absurdo! Um exagero!


Barbie
Barbie

ANO: 2023

PAÍS: EUA

DURAÇÃO: 1h 54min

REALIZAÇÃO: Greta Gerwig

ELENCO: Margot Robbie, Ryan Gosling, America Ferrera

+INFO: IMDb

Barbie

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