Ari Aster é um realizador e argumentista com ideias e estilo muito próprios. Hereditary e Midsommar são obras muito diferentes, mas duas obras de diferentes subgéneros do terror que cumprem distintivamente os seus objetivos utilizando elementos visuais característicos e certas escolhas pouco usais no cinema mais comercial. Com isso, o cineasta ganhou uma dedicada legião de fãs, mas também a sua dose de haters porque consensual é algo que Aster nunca será.
Confessando-me um grande admirador das duas primeiras obras de Aster, as minhas expectativas para Beau is Afraid eram, ainda assim, moderadas. Sabia que este filme teria uma muito menor componente de terror e sei do problema muito comum da “3ª película”: depois de um grande sucesso inicial e de uma segunda obra que correspondeu às expectativas criadas, ao 3º filme muitos cineastas procuram ir mais além, fazendo algo totalmente diferente, com maior liberdade criativa e riscos. Nunca irei tomar o partido da limitação dessa liberdade e de dar maior poder aos estúdios, mas a verdade é que Beau is Afraid teria beneficado muito se isso tivesse acontecido, principalmente no que diz respeito à sua edição. Mas isso não só não existiu, como o Aster teve $35M à sua disposição para fazer dos seus problemas com a mãe.
São 3 horas de filme em que vemos uma personagem, Beau (Joaquin Phoenix), a ser protagonista de uma história onde ele nunca tem qualquer poder acerca do seu próprio desenvolvimento enquanto personagem. É enxovalhado, é ignorado, mal-tratado e humilhado. E o processo repete-se. E repete-se. E repete-se. Phoenix é a grande estrela deste filme e ele tem o necessário para carregar esta personagem às costas. Ele perde-se na personagem e tudo o que faz é credível. No entanto – tal como todo o filme – é, por vezes demasiado em tudo. Nos gritos, nas expressões, na confusão. Tudo isso sem qualquer culpa do ator, pois é exatamente isso que o guilão lhe pede.
Se este filme for um dia parar a um serviço de streaming, a maioria dos casuais espectadores irá pará-lo durante a sua primeira meia hora e sairá a pensar que isto é um dos piores filmes jamais feitos. Não é, claro. Mas Aster não faz o mínimo de esforço para nos querer cativar com o seu primeiro ato. Somos imediatamente colocados na pele daquela pessoa miserável que a tudo acontece, tudo a um ritmo alucinante, confuso e exagerado, parecendo uma mistura de uma obra de Charlie Kaufman com outra dos irmãos Safdie. O segundo ato não é tão alucinante, dá mais tempo para pensarmos, embora os traços loucos e a confusão generalizada lá continuem. É apenas a partir da sua segunda metade – com uma estranha sequência na floresta que inclui uma brilhante cena imaginada – que o filme começa a revelar traços de mestria que se superiorizam aos traços artísticos auto-masturbatórios que Aster até aí empregou.
Quando tudo está dito e mostrado, Beau is Afraid marca quase três horas de exibição. E é impossível justificar esta duração com base naquilo que nos deu, quer a nível da condução da história, quer a nível do que tem para nos dizer. Claro que há aqui uma mensagem importante sobre trauma e sobre como somos julgados pelas nossas ações mesmo quando nada está sob o nosso controlo, seja físico, emocional ou mental. As pressões sociais e familiares estão também no centro de tudo isto. No entanto, tudo isto poderia ter sido dito em muito menos tempo, com um ritmo menos errático, com cenas que não se arrastassem desnecessariamente e sem abusar do efeito de repetição. Entendo que esse tenha sido o objetivo do cineasta – afinal, para, nas suas palavras, nos fazer sentir “miseráveis” – não posso é defender que isso torne a experiência cinematograficamente gratificante. O que nos dá no ato final é interessante, mas a forma como aí se chega é tortuosa e massacrante.
Do ponto de vista visual este será, provavelmente, o Ari Aster mais original, o que mais procura fazer coisas diferentes sem evitar os seus habituais planos claustrofóbicos e imaginativos. Há um bom trabalho de guarda-roupa e também impressiona o design de produção com algumas set pieces inspiradas. Aliás, se algo pelo qual Aster deve ser elogiado é pela tomada de riscos. Mesmo não sendo um grande admirador do resultado final, é impossível não admirar a sua audácia.
Há uma diferença entre um filme ser pouco acessível pela sua complexidade e ser inacessível apenas porque o realizador nos empurra dali para fora pretendendo retirar-nos o interesse na história. Deve-se elogiar a criatividade e a mensagem forte, mas tudo é demasiado “na nossa cara”, mesmo que o faça através de metáforas. O ato final impacta mas não chega para suplantar a prévia histeria coletiva desorganizada. É o primeiro falhanço de Aster. Um belo, grandioso e corajoso falhanço.