Tal como existem estúdios/distribuidoras que vêem os seus filmes imediatamente sobrevalorizados – cof, cof…A24…cof, cof – também há uma síndrome que afeta a Netflix num sentido totalmente oposto. O facto da Netflix não parecer gostar muito de salas de cinema também me incomoda. O facto de lançar tanta coisa, sobrepondo quantidade a qualidade também me incomoda. No entanto, há vários exemplos de bons filmes originais da plataforma. O primeiro Bird Box é um filme tenso, com cenas marcantes, com mistério e atuações bem acima da média. Também tem problemas, sim. Parece uma amálgama de vários filmes do género e ter saído depois de A Quiet Place (apesar da obra na qual se inspira ter sido lançada antes) não abonou a favor da perceção da sua originalidade.
Este Bird Box: Barcelona é um spin-off. Não é uma continuação direta, é uma história paralela num outro ponto do mundo com outras personagens. Para a realização foram chamados Àlex Pastor e David Pastor, dupla por detrás de alguns filmes que gostei nos últimos anos, como Hogar ou Carriers. O elenco também é forte com Mario Casas a ter o papel principal e com nomes como Georgina Campbell ou Diego Luna a secundá-lo. Tinha as expectativas relativamente elevadas.
É difícil contar muito do âmago do argumento porque sou um incondicional inimigo de spoilers e um – que nos é revelado bem cedo – é o que distingue este filme do original. Temos aqui um novo grupo de sobreviventes e a sua luta pelas ruas de Barcelona não difere muito do que já vimos em filmes do género, mas é na perspetiva abordada – e não falo de perspetiva geográfica – que o filme ganha pontos na sua originalidade e coragem com que aborda o fenómeno. Isso faz com que vejamos um filme totalmente diferente e isso inclui até o subgénero e os temas que aborda, focando-se muito em questões éticas e morais, mas também no luto e na nossa relação com a perda.
O problema de Bird Box: Barcelona é que temos que nos esforçar para continuar com ele. É um filme que não entusiasma, que não nos puxa. É muito bem atuado, mas a forma como se desenvolve aborrece. Não cria a tensão do original muito por culpa da sua estrutura – recheada de flashbacks – que quebra constantemente os momentos que tinham potencial para tal. Existem também alguns elementos visuais e sonoros – visíveis marcas de autor – que não atingem o efeito pretendido. Por vezes, parece estarmos a assistir a um outro tipo de filme, onde somos por demais relembrados da sobrenaturalidade da ameaça, podendo quase enquadrar-se no que poderia muito bem ser um filme sobre fantasmas e assombrações.
As coisas até melhoram e é muito curioso que o melhor que o filme tem para nos oferecer – quer em termos dramáticos, quer a nível do que tem para dizer, quer na forma como encontra o ritmo certo – apenas apareça no terceiro ato. Os últimos 20/25 minutos são bons, são aquilo que todo o filme deveria ter sido. Há tensão, há conflito, há medo, há escolhas, há cinismo, há coração. É pena é que o seu bolo seja tão chato que exija sempre de nós um esforço extra.
Chateia-me que não tenha atingido o seu potencial, pois aprecio muito sequelas e spin-offs que tentem fazer algo totalmente diferente do original e Bird Box: Barcelona fá-lo, incorporando uma nova perspetiva que muda a abordagem, temas e até o sub-género. Tem algumas boas cenas e Mario Casas tenta bastante no papel principal, mas é apenas no terceiro ato que o filme entusiasma. Até aí é um filme muito mais aborrecido e ritmicamente errático do que seria desejável.