Tempos houve em que a BlackBerry esteve no topo do mundo. Tempos houve em que Hollywood não sabia como trazer até nós de forma entusiasmante histórias – mais ou menos – biográficas do mundo corporativo. Ambas estas afirmação não fazem o mesmo sentido em 2023.
Desde Air a Tetris, passando pelo também novo Flamin’ Hot e com outros, como Unfrosted, já anunciados, há uma febre em Hollywood por histórias de grandes corporações que nasceram de forma inesperada tornando-se em monstros das suas indústrias. Felizmente – para Hollywood e para nós – a indústria parece ter a receita certa para contar histórias do género.
BlackBerry tem alguns cruzamentos com Air. Também nos fala de um sonho que muitos consideram impossível. Também nos fala de uma ascensão meteórica. Fala-nos de pessoas que sempre acreditaram e de outras que se juntaram ao sonho e o possibilitaram. Mas há uma diferença: BlackBerry sabe que não pode dourar demasiado a pílula. Se é verdade que a ascenção foi espantosa, também é verdade que a companhia viu o seu valor ser reduzido a quase nada ainda de forma mais abrupta e é hoje um player com pouco peso no mundo dos smartphones. Por isso, este é um filme, talvez, mais realista e, certamente, mais cínico do que o exemplo previamente citado.
Na forma como a ascensão é-nos apresentada, este filme anda lado a lado, em termos qualitativos, com o filme de Ben Affleck. A shaky cam, utilizada em espaços fechados e ângulos apertados, transmite a sensação de estarmos a assistir a um documentário, o que assenta que nem uma luva à história que está a ser contada. Jay Baruchel é Mike, fundador e o principal pensador da tecnologia que viria a revolucionar o mundo, e não poderia ser mais convincente no papel de nerd, com tanto de inteligente como de ingénuo no que diz respeito ao mundo dos negócios. Glenn Howerton no papel de Jim como co-CEO, é também ele fantástico e provavelmente o grande destaque do filme. Ele não teve as ideias, mas foi ele quem se soube mexer, olear a máquina interna e encontrar as pessoas e investimentos certos para que este sonho viesse a ser uma realidade. Howerton vive uma daquelas personagens maiores do que a vida: enérgico, ativo, duro, ríspido, sempre preocupado, visionário e até mal-criado. Grande parte do filme ele passa a esbracejar, a gritar e a insultar quem se coloca no seu caminho e fá-lo com distinção.
Estas duas atuações, bem como o modo como isto é filmado, juntam-se a uma edição rápida e imaginativa – pensem num filhote de The Social Network – que nunca nos deixa respirar e nos agarra desde a sua primeira cena, onde tão bem estabelece as suas personagens principais. Tudo o que nos mostra sobre a ascenção da gigante é excelente. É pena é que, tal como a companhia de que fala, o filme não consiga manter o seu nível até ao final. O último ato é contado de um modo apressado, ficando a faltar um maior desenvolvimento para que exista algum tipo de impacto emocional e para que que sejam mais claras as lições que nos quer dar sobre ganância corporativa, sobre perda de valores identitários e sobre que meios podem ser utilizados para se atingirem os fins. Mais 30 ou 40 minutos dividos entre estes tipos estarem no topo do mundo e a sua subsequente queda teriam feito maravilhas, pois material não faltava para ser trabalhado e tinha todos os intérpretes certos. É pena. Isto é bom, mas poderia ter sido excelente caso tivesse tido uma aterragem ao nível de como descolou.
É a prova de que algumas histórias precisam de mais do que duas horas para serem contadas. A ascenção da BlackBerry é contada de um modo fantástico, ao nível do melhor do género. Já o declínio é contado de um modo suficientemente bom, mas apressado, longe da excelência da sua primeira metade. É filmado e editado de um modo enérgico e Baruchel é um convincente nerd perdido nos seus sonhos, mas é Glenn Howerton que brilha ao entreter-nos até quando sabemos que detestaríamos estar no papel de quem por ele é insultado a cada cinco minutos.