Blue Beetle assenta a sua forte identidade na família e no humor apurado

Cansado de filmes do género, lá fui eu assistir a Blue Beetle com expectativas baixas. Afinal, este é um herói do qual eu tinha zero conhecimento, não é uma das maiores apostas da DC e vem nesta fase da companhia em que quer terminar com o velho e começar o novo com James Gunn ao leme. Terminou, provavelmente, como o meu filme favorito do género este ano. 

A grande arma de Blue Beetle é o seu coração. É um filme que não joga apenas como “mais um super-herói”, mesmo quando estruturalmente faz exatamente aquilo que dele esperam, não surpreendendo. É impossível falar do filme sem falar da sua latinidade. Afinal, Jaime Reyes é um super-herói que não é o típico herói norte-americano, vivendo na periferia social de quem até lutou pelas suas oportunidades, mas a quem a vida lhe fechou as portas. Mas Blue Beetle perde pouco tempo com lamentações ou queixumes. A latinidade está presente em cada momento do filme, mas existe com um propósito, funcionando como uma sinergia de comunidade e família que irá fortalecer o nosso herói com uma identidade muito própria. 

Tudo isto só é possível porque o filme acerta muito na forma como desenvolve as suas personagens. Toda a família Reyes tem algo a dizer, algo a fazer e todos o fazem de forma distinta entre eles, não caindo na esparrela de tornar todos à semelhança de Jaime. Xolo Maridueña está excelente no papel principal, demonstrando ter a bagagem suficiente para sustentar e apresentar este herói no grande ecrã, mas ele não é o único que brilha. A irmã, Milagro (Melissa Escobedo), tem destaque desde o primeiro momento e é uma agradável surpresa por toda a importância que tem para a história. O pai, Alberto Reyes (Damián Alcazar), dá a dimensão dramática que se exige a este papel e o tio, Rudy Reyes (George Lopez), é a personagem mais divertida e um daqueles papéis cómicos que nada me importava de ver reconhecido em premiações do final do ano. Até a avó, “Nana” (Adriana Barraza), tem, inesperada, muita exposição no terceiro ato, agarrando a oportunidade de forma espetacular. E quanto a Bruna Marquezine? A brasileira é o interesse amoroso de Jaime, Jenny Kord, e está muito bem num papel mais importante do que o expectável, tendo particular destaque nos momentos mais calmos e reflexivos do filme.

Blue Beetle não é perfeito. É um filme que, por vezes, parece contido. Tem a tal previsibilidade estutural já referida e não têm vilões muito carismáticos (ainda que Raoul Max Trujillo suba o nível no terceiro ato e Susan Sarandon faça o que dela é esperado no guião). No entanto, os efeitos especiais são, surpreendentemente, muito bons, nota-se o trabalho de coreografia nas cenas de ação e a banda-sonora também se eleva com um tema principal marcante e um uso de sintetizadores ao longo da obra que fica muito bem ao que vemos em cena.

O melhor de tudo, ainda assim, tal como já disse, é que o filme tem o coração no sítio certo. A utilização da comunidade latina é orgânica, com referências fascinantes, com falas relevantes e expressões que nos fazem sorrir a toda a hora. E tudo tem um propósito, tudo tem um fim, todas as lições que nos quer dar estão assentes na importância da comunidade, da luta, perseverança e trabalho em equipa. Afinal, há um tempo para tudo, inclusivé chorar, mas nem sempre é o tempo certo. Por vezes, é tempo de rir. E isso é o que não falta a Blue Beetle. Talvez por ser um humor menos norte-americano e mais próximo das minhas referências familiares, a grande maioria das piadas e dos momentos cómicos tiveram um impacto em mim que há muito não sentia em filmes do género. Ri-me, ri-me e ri-me. Há até piadas que podem ser vistas como ofensivas, o que é um alívio no panorama atual, pois faz-me lembrar mesmo o que é uma dinâmica familiar caótica, mas coesa. E alívio foi o que senti quando no final percebi o quanto isto me tinha agradado face às expectativas, tendo muito do mérito Angel Manuel Soto pela forma como não abdicou da identidade que faz disto especial, incluindo uma irreverência jovem e inocente, fora do comum no cinema de hoje. 

Assumidamente cansado de filmes de super-heróis, fiquei muito surpreendido por isto me ter satisfeito tanto. A estrutura sofre dos vícios habituais do género, mas é um filme cheio de coração que reconhece as suas fraquezas e aposta forte nas virtudes que tem. Tem excelentes personagens, uma identidade distinta e, provavelmente, o mais apurado humor que alguma vez vi em filmes do género.


Blue Beetle
Blue Beetle

ANO: 2023

PAÍS: EUA

DURAÇÃO: 127 minutos

REALIZAÇÃO: Angel Manuel Soto

ELENCO: Xolo Maridueña; Bruna Marquezine; Adriana Barraza; Damián Alcázar; Raoul Max Trujillo; Susan Sarandon; George Lopez; Belissa Escobedo

+INFO: IMDb

Blue Beetle

Previous ArticleNext Article

1 Comment

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *