Não vou ter dó nem piedade sobre a primeira tentativa de realização da sra. Halle Berry. Ela não teve a mesma misericórdia, ou senso de estrutura, ou concisão nas decisões filmográficas, ou capacidade ou vontade em se basear nas milhentas obras firmadas de onde esta laceração de mais de 2 horas de sangramento se podia ter suportado para contar a nada particular história de Jackie Justice.
O guião é de uma outra senhora chamada Michelle Rosenfarb, de onde os créditos assinalados no IMDB são este filme e uma curta. Nada contra a falta de currículo pois tem de se começar de algum lado. O que tenho contra é não se expressar essa falta de currículo com talento. Há uns tempos escrevi de como não se deve fazer uma açorda. Talvez devesse agora escrever sobre como não se deve fazer um curativo. Não me apetece. Costumo ter mais fome que feridas. E não sendo cozinheiro profissional, entendo que a repetição de tentativas me tenha feito melhorar. Sobre curativos, vou a alguém que entenda do assunto para aprender OU ser tratado. Entendem a mensagem aqui nesta alegoria da gaze? Estão aqui camadas melhor arrumadas que o enredo deste filme.
Se isto é uma história de redenção (Locke, Green Mile, Good Will Hunting, Gran Torino, Man on Fire), não se enganem. A protagonista não aprende absolutamente nada sobre si. Apenas expõe como justificação de tudo a péssima vida que teve, mesmo ignorando o cartel de 11 lutas profissionais de MMA na liga mais popular do mundo com 10 vitórias, tendo-se ido abaixo na última luta e estando num fabricado e superficial pranto sobre a sua existência.
Se isto é uma história de abandono de todos e a capacidade de encontrar força interior quando tudo está desmoronado, não se enganem. Espezinha todos no caminho que tentam estender-lhe a mão, mesmo que com as suas próprias imperfeições:
– A mãe (que desconhecia o que acontecia com ela quando tentava ela própria procurar parceiro e potencial padrasto para, quem sabe, dar uma estrutura à vida de todos mas nunca acertando porque, pasme-se, também deverá advir de um ciclo destrutivo inter-geracional – MAS NUNCA SE SABE E NÃO SE PODE SABER PORQUE O ENREDO NÃO EXPLORA);
– O companheiro (que a sustenta e lhe providencia uma casa, que tolera e não a atormenta sobre o contraído alcoolismo – QUAL É O DRAMA DE FARINHA AMPARO QUE NÃO TEM O BOM DO ABUSO DE SUBSTÂNCIAS, HEIN? – a encoraja a lutar pois reconhece o talento que ela tem, mais que ela própria, que abdicou de representar outros atletas para se dedicar inteiramente a ela – ISTO É MENCIONADO E AINDA GOZADO POR ELA);
– O promotor (que reconhece e deposita recursos de treino e lhe concede um directo combate para título mundial na segunda maior promoção de MMA feminino do mundo depois de 4 anos de hiato, que conversa com ela sobre como entende que ela precisa ser extra-motivada a atingir o seu potencial máximo e que mais tarde é tido como explorador e ganancioso por lhe atiçar esse fogo de dúvida para que ela se imole de vontade em provar-lhe do contrário – CASO HAJA DÚVIDA, REPAREM DE COMO ELE TORCE POR ELA NO COMBATE);
– A treinadora (que chegou a dar-lhe guarida, lhe devolveu espírito competitivo, dotou-a de ferramentas que aparentemente ela já tinha e que em tão pouco tempo se recordou delas numa montagem dum treino de uma noite, que foi franca com ela sobre a sua vida pessoal conturbada, abriu-se sentimental e afectivamente, deixou-se envolver sexualmente com ela para ser descartada como lixo assim que Justice se sentiu mais empoderada e estruturada – TENDO UMA RECAÍDA TÃO FORTE QUE QUEBROU A SOBRIEDADE E SE FERIU DE FORMA NÃO EXPLICADA COM UMA MERA FALA DE “LONG STORY” E AINDA ASSIM CONFERIU CRÉDITO À PROTAGONISTA POR TER COMBATIDO SOZINHA E TER DEMONSTRADO A TODOS QUE NÃO PRECISAVA DE NINGUÉM);
– E a grande bomba que é abordada com um mero vídeo de telemóvel de nem 15 segundos: o ex-companheiro. Não se sabe de nada deste indivíduo para além de se ter apresentado como um exemplar e extremoso pai, que ficou com a guarda do filho e para além de ter cumprido com os seus deveres, fê-lo com amor, entrega e dedicação genuínas – NÃO HÁ MAIS MENÇÃO NENHUMA DESTE POBRE COITADO SUJEITO PARA ALÉM DE SE SABER QUE MORREU E POR ISSO A CRIANÇA FOI ENTREGUE À AVÓ MATERNA, ONDE ESTA, NATURALMENTE A FAZ CHEGAR À MÃE, JACKIE JUSTICE, E AINDA ASSIM DENTRO DAS SUAS FRACTURANTES FALHAS DE CARÁCTER OPTA IDONEAMENTE POR FICAR COM O GAROTO QUANDO A PROTAGONISTA SE MOSTRA IRREMEDIAVELMENTE INCAPAZ DE SER MÃE.
O rapazinho é o melhor actor do filme e só diz 3 palavras bem no final. Danny Boyd Jr. tem 6 anos no filme e está em melhor forma física que a suposta atleta de elite protagonista. Cai autenticamente de paraquedas num momento do enredo onde a pomada anti-inflamatória, a água oxigenada e a compressa foram socadas e pontapeadas por ordem aleatória e abrupta na escoriação feia e dolorosa que foram os primeiros 17-20min do filme. Aqui tenta-me ser empurrado pela goela abaixo o tom desolador e isolante de The Pursuit of Happiness. Não bastou o artifício da atleta de sucesso caída em desgraça, não bastaria a infância terrível e constante inaptidão em cura ou reabilitação da alma até à vida adulta, não bastou que, com a chegada do pequeno Manny, todos à volta de Jackie também se tenha mostrado inaptos e ainda mais expostos às suas próprias lutas internas ao não saber ajudá-lo. Teve de se dar mais uma coisa para a protagonista lidar e procurar superar. Ridículo, feio, mal aplicado e completo desserviço a um retrato fiel e realista de pessoas que se poderiam relacionar ou inspirar por este filme.
A representação sobre-dramática só é exacerbada pela inconsistência dos planos escolhidos. Ora em segmentos dramáticos mais parados onde se estima o brilho dos diálogos, vai de câmara tremida, ora em segmentos batoteiros de choro e representação sem falas por parte da protagonista, vai de plano apertado. Ora em sequências de treino e combate vai de cortes rápidos, ora vai de planos em POV. A indecisão pelo que foi decidido naquela sala de edição só tem um nome a ser chamado à responsabilidade: Maria Halle Berry.
A banda-sonora é esquecível e é mais uma forma de promoção dos artistas lá enfiados que uma ferramenta a serviço do filme. Não poderia ser-me mais indiferente.
Reparem que neste manancial, não tinha referido nada sobre a acção propriamente dita do filme. É porque não há nada digno de reparo. O MMA é usado como artifício de superação porque é o desporto de combate mais na berra e considero que foi usado de forma suja para ajudar a promover o filme. Não se brinque com coisas sérias quando se está a tentar vender isto como algo sério.
Meia-estrela vai para o garoto que não diz nada e é o melhor de todo o filme, outra meia-estrela vai para Halle Berry porque todos temos direito de errar se com isso nos dispusermos a melhorar, mas com este Bruised, Sra. Halle Berry… Não.