Quando oiço a expressão “artsy horror”, fico de pé atrás. Se as obras de Ari Aster (Hereditary e Midsommar) são duas das minhas favoritas, se adorei The Witch, Suspiria ou The Babadook, a verdade é que a expressão – também se aplica a “arthouse horror” e que, basicamente, se traduz para um terror mais artístico, especialmente, do ponto de vista visual – parece-me ter sido expandida demasiado livremente e, várias vezes, é utilizada como disfarce de obras com boa aparência, mas pouco sumo. Foi assim que cheguei a este Censor, sabendo, de antemão, desse rótulo e que tinha sido bem recebido em alguns festivais de cinema alternativos, o que nem sempre se traduz no meu prazer em apreciar tais obras. Resumindo, o pé atrás estava lá. Justificado? Fiquem comigo.
Censor conta-nos a história de Enid, que tem a responsabilidade de censurar filmes (daí o título), atribuir-lhes uma classificação etária mais ou menos alta ou até proibi-los de circularem no mercado. O filme passa-se no Reino Unido, nos anos 80, e a sociedade atinge máximos de criminalidade, sendo que muitas das responsabilidades são atribuídas – pelo público e pela imprensa – à violência existente em filmes de tortura independentes e, por sua vez, aos “censores” que vão deixando passar algumas dessas situações. Certo dia, Enid tem a responsabilidade de classficar um filme que lhe parece chocantemente familiar, abrindo muitas portas do seu passado, nomeadamente no que diz respeito ao desaparecimento da sua irmã num dia do qual Enid de nada se relembra. A sua responsabilidade como “censora” e este seu passado que também parece censurado andam constantemente de mãos dadas ao longo do filme, sendo que um alimenta o outro.
Prano Bailey-Bond estreia-se na realização de longas-metragens e consegue, logo à primeira tentativa, criar um clima e atsmosfera muito singulares, com uma banda sonora à altura, a lembrar o que foi feito na década de 80, mas com um toque também moderno na abordagem. De qualquer forma, apesar de todo o excelente trabalho de produção, a grande estela é outra! No papel de Enid, Niamh Algar tem uma grande interpretação, sendo ela que carrega quase todo o filme às costas. Sim, o uso das cores é excelente, a banda sonora muito boa e a atmosfera crida é especial; mas sem Enid, Censor não existiria. Não se lembrando do passado e colocando em causa as suas capacidade no presente, Enid começa a cair nas artimanhas da mente e num jogo perigogo na qual andará em linhas muito ténues, como quando decide visitar o produtor do filme que “mexeu” com ela. A certa altura, nós duvidamos tanto do seu passado, como do seu presente, tentando perceber como ela vai desatar o nó que, talvez, não tenha sido ela que atou.
Não quero dar muito da trama até porque é um filme com várias camadas, onde parece pouco acontecer, mas do qual se podem extrair algumas mensagens importantes. A primeira, atirada à nossa cara, várias vezes ao longo do filme, é a de não nos deixarmos ser consumidos pelo que fazemos, dando a devida importância ao equilíbrio entre casa e trabalho. No entanto, a mensagem mais forte é mesmo a de que temos que deixar “o passado no passado”, deixar ir o que não podemos resolver e aceitar que nem sempre teremos respostas para tudo. Consegue Enid chegar a essas mesmas conclusões? Se pensavam que eu vos ia contar, é porque têm lido poucas críticas minhas (odeio spoilers tanto quanto o Indiana Jones odeia cobras!).
Fiquei satisfeito com o que vi: um filme artístico de terror, com estilo e substância. É um filme sem falhas? Não. Por vezes, não percebemos bem qual é o caminho que quer tomar e o início do 3º acto tem problemas (nomeadamente, ao nível da pouca clareza na condução da história) que quase me retiraram o interesse de desvendar o mistério. No entanto, quando o filme está próximo de cair na vulgaridade, tudo é abanado e virado do avesso, culminando num final que considero bastante satisfatório e enquadrado no tom da obra.