Nunca gostei das personagens Tico e Teco (me recuso a chamá-los de Chip and Dale). Para falar a verdade, sempre os detestei. Especialmente Teco, sempre o achei irritantemente estúpido. Por isso, quando Chip n’ Dale: Rescue Rangers (Tico e Teco: Defensores da Lei) foi anunciado, reagi tanto com indiferença quanto descrença, uma vez que o projeto parecia, à primeira vista, muito genérico. Felizmente, minhas expectativas estavam equivocadas, o que permitiu com que o filme me surpreendesse com toda sua ousadia, criatividade e diversão!
Sim, isso mesmo. Ousadia! Nunca imaginei que um filme de propriedade Disney fosse citar tantas marcas de suas concorrentes, muito menos usá-las em tela como parte de sua trama! É divertidíssimo ver personagens tão distintas de diferentes patentes compartilhando tela. E isso funciona assim tão bem, pois a participação dessas personagens não se faz de forma gratuita, estando lá apenas para chamar a atenção do público e servir de publicidade para o filme. A presença dessas diferentes marcas serve como grande alívio cômico para o longa, mas também serve como um importante elemento para firmar o tom de diversão caótica do filme.
Dan Gregor e Doug Mand sabiam o que estavam fazendo ao escrever este argumento. Ambos aproveitam muito bem todo o material que lhes foi disponibilizado. Temos nostalgia e homenagem ao universo Disney, desconstruções e brincadeiras com personagens consagrados da casa, e, o que mais surpreende, piadas feitas não só com queridos personagens vizinhos, como com fiascos e polêmicas das concorrentes. Dois dos melhores exemplos disso são a brincadeira com o filme Batman v Superman – que faz um crossover dentro de um crossover, no melhor estilo Inception, com o E.T. de Steven Spielberg – e a participação especial do famigerado Ugly Sonic (Sonic Feio), que personifica o visual rejeitado pelo público da adaptação live action do clássico videogame.
Então, no meio de toda essa confusão, é de se esperar que a mistura de live action com animações 2D e 3D seja uma completa bagunça e não funcione de forma harmônica, certo? Pois é. Mas o que parece ser um complicador para o filme, acaba funcionando como uma carta na manga. A dupla de argumentistas e o realizador da obra, Akiva Schaffer, aproveitam dessa estranheza para criar uma trama repleta de metalinguagem, entrando em assuntos diversos, como a evolução da tecnologia visual com a dominância do 3D, e a obsolência das animações 2D. É divertida a referência ao famoso termo vale da estranheza, mas o destaque fica para a excelente tirada para com o visual de Teco, que passa por um processo cirúrgico semelhante à uma harmonização facial, e deixa seu visual tradicional por um modelo 3D super realista. Parabéns para a mente por trás dessa ideia sensacional!
Outro acerto do filme é trabalhar bem a nostalgia. É claro, como não sou fã das personagens, não fui impactado completamente por esse viés. Mas fica nítido, durante toda duração do longa, que a obra foi concebida com enorme carinho e respeito ao seriado original dos dois esquilos. O que me conquistou de vez em Rescue Rangers, foi a retomada de algo que o Manoelzinho tanto amava quando criança: o sentimento de que, se tratando de audiovisual, tudo é possível. Filmes que mesclam diferentes abordagens visuais, como o clássico Space Jam, sempre me encantaram por mostrarem que não existem limites para a imaginação.
Mas, para não dizer que apenas rasguei elogios aqui, em certo momento o argumento, que se mostra muito criativo em quase toda rodagem do filme, demonstra preguiça quando, no clímax de seu segundo ato, literalmente atira as personagens de cara em um conflito estupidamente evitável. Essa fragilidade não chega a irritar, mas seu caráter desnecessário é óbvio demais para passar despercebido. Pelo menos, em seguida, nos divertimos com brincadeiras com plot twists bobos que certamente vão funcionar muito bem com as crianças.
Que bela surpresa é poder me divertir com personagens das quais não suportava no passado. Chip ‘n Dale: Rescue Rangers chega não só para impressionar com a sua ousadia, mas também para provar que a mistura de live action com animação ainda funciona sim, e muito bem! Nunca pensei que fosse dizer isso, mas como é bom ter esse filme entre nós!