Começo com um desabafo: tive a oportunidade assistir a este filme durante a sessão de lançamento da 17ª edição do MOTELX. 5 estrelas para a organização do evento. 0 estrelas para o público presente. A audiência geral atual tem medo de sentir. Não se vê hoje no cinema um filme de terror sem risinhos constantes em cenas de maior suspense, uma estratégia que apenas visa evitar isso mesmo: sentir. Mas nem é só o terror que sofre com o drama das audiências imaturas. Veja-se o recém exemplo de Barbie e a fantástica cena de monólogo expositivo de America Ferrera e quantas pessoas se recusam a sentir o que a cena tão bem exprime, preferindo adjetivá-la de lamechas, colocando uma barreira a sentimentos. É um efeito da Marvelização do cinema, onde até momentos de luto podem ser interrompidos com piadas de peidos, tratando a audiência de forma infantil.
Passando ao filme, que é para isso que estamos aqui. Cobweb chega-nos pelas mãos de Samuel Bodin. O nome talvez não vos diga nada pois esta até é a sua estreia no cinema, mas ele é o responsável pela arrepiante minissérie da Netflix, Marianne. Tinha, assim, expectativas relativamente elevadas, sendo que parte delas foram cumpridas. A história começa de uma forma bem tradicional no terror: um rapaz começa a ouvir barulhos na parede e desenvolve uma relação com algo ou alguém que está do outro lado. Entretanto, há um mistério que envolve uma criança desaparecida no passado e os pais do menino parecem ter algo a esconder, apresentando comportamentos suspeitos e restringindo muito as interações do rapaz com outras pessoas.
Cobweb é bem mais do que isto. Se acham que o filme será um terror de A a Z estão muito enganados. A dupla de pais (Mark e Carol) interpretada pelos excelentes Anthony Starr e Lizzy Caplan é tão sinistra quanto cativante. Sabemos que eles escondem algo, sabemos que nada daquilo é normal, mas os dois atores levam os seus papéis a níveis tão extremos de atuação que é difícil percebermos para onde isto irá. No papel da criança principal, Peter, Woody Norman também faz um bom papel, o que não surpreende para quem já o viu antes em C’Mon C’Mon e o mesmo se pode dizer de Cleopatra Coleman, recentemente vista em Infinity Pool, que vive a sua professora, Devine.
Este é, no entanto, um filme claramente do seu realizador, pois por todo o lado estão as suas marcas já características na forma como filma as cenas mais tensas. A câmara em ângulos pouco usuais, câmara afastada do que nos quer mostrar, o movimento lento, uma figura nas sombras, a aproximação para uma imagem arrepiante que toda a tela ocupa e que nos faz tremer, mesmo que o que mostre seja, tecnicamente, apenas um enorme sorriso. Tudo acompanhado por um som inquietante que sabe subir os decibéis quando quer puxar pelas nossas reações mais primitivas. Bodin trabalha tão bem estas cenas que desejo esquecer-me de várias delas o mais rápido possível para poder voltar a senti-las e surpreender-me, agora sem os risinhos de um público imaturo que tanto poderia ali estar, como poderia estar num qualquer evento de sunset junto ao rio. Pouca diferença lhes faria.
Passemos para o argumento. Muitos dos pontos fortes e fracos do filme aqui se encontram. É inteligente e subversivo na forma como nos conduz para uma determinada direção, fazendo até lembrar Barbarian a determinada altura. Vai para caminhos bem inesperados e fá-lo de uma forma inteligente, pois não há quem não pressinta que algo está para ocorrer, sem se saber exatamente o quê. É, no entanto, no seu terceiro ato – onde, curiosamente, tem mais ação e se torna mais louco, muito louco mesmo! – que apresenta mais debilidades, não conseguindo fechar de forma suficientemente satisfatória a história, deixando no ar várias interrogações que deveriam ter sido melhor exploradas. É um final preguiçoso, assim como é a atenção a pequenos detalhes durante este ato (o típico “porque é que não chamaste a polícia e te foste aí meter?). É um pouco frustrante porque a avaliar pelo que faz antes disso e a avaliar pela sua grande revelação, poderíamos estar aqui na presença de um filme ainda mais marcante.
Ainda assim, esta é uma proposta de terror que vale a pena. Se há algo que Samuel Bodin – o criador de Marianne – sabe fazer é criar cenas de tensão e suspense, utilizando um criativo trabalho de câmara e esperando pelo momento certo para nos aterrorizar. O elenco está a um excelente nível e a história vai por caminhos loucos e inesperados. É apenas pena que alguns detalhes narrativos, includindo a sua apressada conclusão, não estejam suficientemente limados.