The Covenant é uma bela surpresa à antiga

Guy Ritchie outra vez. Sim, há bem pouco tempo ele lançou Operation Fortune: Ruse de Guerre – aqui revisto pelo Marcelo – e ainda na primeira metade deste ano regressa com este The Covenant. Provavelmente algum dos projetos já estava filmado e engavatado pelo COVID ou similar, mas é algo de realçar no cineasta britânico. Ainda assim, tendo visto este The Covenant percebo que até possa fazer sentido. É que aqui encontram-se muito poucos traços característicos do cinema de Ritchie, quer no tipo de história, quer como esta é contada, bem como nas personagens ou diálogos.

A trama leva-nos até ao Afeganistão pouco tempo depois dos EUA terem decidido que este país e este só – mais tarde outro juntou-se à festa – deveria pagar pelos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001. Os militares norte-americanos sentem visíveis dificuldades no terreno e necessitam da ajuda de tradutores. Estes tradutores são pessoas locais, inseridas na sociedade que procuram fazer um pouco de jogo duplo esperando recompensas futuras (normalmente, um visto e uma viagem de ida sem regresso para os EUA), pois se o seu duplo papel for exposto…é a morte do artista. Literalmente.

Depois de uma emboscada ter morto o tradutor alocado à equipa do sargento John Kinley (Jake Gyllenhaal), a equipa é forçada a garantir um novo tradutor e ao sargento é apresentado Ahmed Abdullah (Dar Salim) que afirma fazê-lo apenas por dinheiro. Rapidamente percebemos que não só não o faz apenas por dinheiro – há razões sentimentais e vingativas ao barulho – como também já pertenceu aos próprios Taliban! John Kinley inicialmente suspeita de Abdullah, mas este tradutor vem-se a revelar muito mais do que isso apenas, salvando o Sargento de situações onde a morte se adivinhava como o único cenário favorável.

Não quero entrar muito no campo dos spoilers, mas posso dizer que esta relação de camaradagem inesperada é bastante bem conseguida e é a base de sustentação a toda esta história e obra. É uma dupla à antiga, homens de honra como já não se fazem na vida ou, talvez, como apenas o cinema deixou de os mostrar. Por vezes a dupla parece sair diretamente de um western antigo em que o olhar diz-nos tudo do que elas pensam uma da outra sem ter que entrar em sentimentalismo bacocos ou politiquices impingidas pela nossa goela abaixo.

Dar Salim é excelente num papel reservado, próprio de alguém que muito viu e muito guarda para si, tendo consciência daquilo que é e de quem deve defender acima de tudo: a sua família. Já o tinha anteriormente visto no surpreendentemente competente Loving Adults (na Netflix), mas aqui ainda expande mais a sua boa atuação. Faz uma excelente dupla com Jake Gyllenhaal, que é um monstro da representação. Já não é novidade. Cada cena, cada diálogo orelhudo é sempre impecavelmente elevado pelo ator que dá sempre às suas personagens a dimensão humana necessária. Seja recentemente com Michael Bay (Ambulance) ou agora com Guy Ritchie, Gyllenhaal tem trabalhado com alguns realizadores de renome que têm estado, recentemente, a ter muito menos holofotes sobre si, mas ambas as obras estão entre as melhores que estes dois cineastas já realizaram. É triste que tanto Ambulance como The Covenant não sejam vistos por muito mais pessoas porque mostra que Bay e Ritchie podem dar bem mais do que aquilo a que estamos habituados deles.

Aqui Ritchie não tem personagens-caricaturas. Aqui não abusa da habitual edição espalhafatosa. Aqui não tem linhas diálogos absurdas apenas pelo prazer do absurdo em si. É um Guy Ritchie muito maduro – que, pessoalmente, nunca tinha visto – que quer contar uma história séria, uma história de homens, uma história de honra, de elo, de ligação, de laços, como ele nunca contou. Ao fazê-lo usa a brilhante cinematografia de Ed Wild para dar uma dimensão de espaço ao seu filme como nunca lhe vi antes fazer. Há excelentes cenas no terreno, cenas tensas, de cortar a respiração, tudo muito bem filmado e rapidamente – mas de forma clean – editado. Mas há também brilhantes planos abertos, até com um inspirado recurso a drones aéreos. A juntar a isto, uma impactante e muito bem conseguida composição sonora de Christopher Benstead que dá ao filme a dimensão heróica que esta história pede. 

O filme funciona muito melhor no terreno, no Afeganistão (na verdade, filmado em…Almeria!) quando nos mostra as personagens principais a viver no limiar do perigo de uma simples bala mudar os seus destinos, saindo de situações impossíveis. Exatamente no segmento do meio, quando a ação passa para os EUA, há cerca de 10 minutos onde a obra vacila. O ritmo quebra e sente-se uma descompressão que quase perde os espectadores. Felizmente, isso dura muito pouco.

No último ato é dado ligeiramente mais protagonismo a Abdullah e à sua família – embora eu quisesse muito mais! – à medida que o contrarelógio se intensifica e a ação escala para dimensões de espetacularidade máxima. E, claro, Jake também eleva o nível! The Coventant é uma bela surpresa. É o filme de Guy Ritchie onde ele menos é Guy Ritchie, mas o filme onde trabalha as emoções melhor do que nunca, com uma história de camaradagem à antiga. Dar Salim e o sempre excelente Jake Gyllenhaal vendem-nos muito bem esta história intensa recheada de tensão e espetacularidade.


The Covenant

ANO: 2023

PAÍS: Reino Unido

DURAÇÃO: 123 minutos

REALIZAÇÃO: Guy Ritchie

ELENCO: Jake Gyllenhaal; Dar Salim; Sean Sagar; Jason Wong; Antony Starr

+INFO: IMDb

The Covenant

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