Creed III solta a saga das amarras

Poderia Creed existir sem Rocky? Se a nível de background, a saga de Adonis Creed busca grande parte da inspiração nas personagens de Rocky, a nível estrutural também bebe sempre muita dessa essência na forma como apresenta o drama desportivo. Independentemente de tudo isso, tal como qualquer bom filho, Creed – como filme – recebeu os ensinamentos e quer agora ser algo muito próprio. 

Para este 3º capítulo, Michael B. Jordan quis ser algo mais do que “apenas” Adonis Creed, o protagonista principal. Tal como tinha acontecido com a saga Rocky e Sylvester Stallone, B. Jordan quer ser a figura que encapsula a “marca Creed” e por isso estreia-se aqui na realização. Uma tarefa com desafios. Se por um lado era relativamente “mais fácil” para B. Jordan começar numa produção onde conhece os cantos à casa, tendo aprendido com os melhores; por outro, ele não se quis ficar pelo estrito cumprimento do que tinha a fazer, procurando dar passos muito próprios e distintos. 

Creed III procura essa individualidade logo na sua história e temas. Creed centrou-se muito em Adonis e em como ele poderia deixar de viver à sombra do legado do seu pai, Apollo; em Creed 2, Adonis continuou a tentar lutar contra os seus conflitos internos em relação à morte do pai, o seu legado e tudo o que isso significa para si, tendo ainda que enfrentar o…filho de quem matou o seu pai! Creed 3 é totalmente único. Tem referências a Rocky através de várias personagens e cenas, mas nenhuma delas é fundamental para a principal história que nos é contada. Esta é uma história de Adonis. Um Adonis riquíssimo que se encontra na reforma depois de uma bem-sucedida carreira, a qual terminou no topo. Um Adonis que vê surgir na sua vida um amigo do passado que o obriga a sair da sua reforma. E um Adonis que sabe que ele próprio poderá ter contribuído para muido do que correu mal na sua relação com esse amigo. Um Adonis que se questiona sobre a sua vida, as suas escolhas e quem ele, de facto, é. 

A nível temático, o filme não se fica por aí. A relação entre Adonis e a sua filha é bastante bem explorada – sim, muito melhor do que a saga Rocky o fez – e a relação com Bianca – que continua a ser uma personagem completa, com os seus dramas e sonhos – é mais fundamental do que nunca para entender o seu passado, presente e futuro. A nível de interpretações há muita coisa a ser dita. Michael B. Jordan não é excecional em todas as entregas, mas tem a sua melhor interpretação na saga, transmitindo convincentemente toda a confusão e conflitualidade que existe dentro de si. Tessa Thompson entrega o seu habitual bom trabalho e Phylicia Rashad traz também o melhor da personagem materna que Adonis precisa nesta trama. Wood Harris ganha um maior destaque como o treinador Duke – que se começa a tornar uma marcante figura da série – mas é, ainda assim, Jonathan Majors que eleva tudo. Majors é uma autêntica força da natureza, dominando sempre que está em cena, centrando em si todas as atenções. “The eyes, chico. They never lie”. Uma célebre passagem que descreve tão bem e em poucas palavras o que Majors faz mesmo quando não está a entregar as suas falas de forma impecável como se a sua vida disso dependesse. A personagem de Damian é uma lufada de ar fresco, o melhor vilão da saga Creed, o mais pessoal, o que nos faz mais pensar sobre escolhas e aquele que nos dá toda a intensidade – e perigosidade – que Adonis e todos nós precisávamos. 

Não é, ainda assim, apenas nos temas que Creed 3 faz “a sua coisa”. Michael B. Jordan tem uma brilhante estreia na realização. Poderia não inventar muito numa saga vencedora. Mas inventou. E bem. Percebe-se a busca pela singularidade através da banda-sonora unicamente de hip-hop, muito bem incorporada na história que nos quer contar, mas isso está longe de ser o principal destaque. A tensão que se sente ao longo do filme é mais própria de um thriller de ação do que de um drama pessoal. Não, ele não esquece o drama. Na verdade, o primeiro ato até parece correr o risco de se aproximar do melodrama excessivo do 2º capítulo. No entanto, a partir do momento em que Damian começa a revelar as suas camadas, o conflito sobe e com ele Jordan – o realizador – encontra a sua praia. Há uma cena incrível antes do primeiro combate de Damian, onde vemos este e Adonis a encararem-se sem o fazerem, com uma parede a separá-los. Há uma montagem excecional de pré-luta, do melhor que já vi em Rocky/Creed, uma série recheada de boas montagens. Há uma excelente sessão televisiva que parece colocar-nos a observar acontecimentos reais. E, sim, há o combate final. Acreditem: não estão preparados! O nível de detalhe que se incorpora através de close-ups e slow-motion é impressionante e percebe-se quando Jordan fala das inspirações de anime. Também se percebe isso quando centra o momento nas duas personagens principais, isolando-as do resto do mundo num combate isolado que poderia muito bem pertencer a Dragon Ball ou Naruto. E que bem que tudo isto resulta a nível visual e sonoro!

Creed 3 significa o soltar definitivo das amarras de Rocky, sendo um produto muito próprio e independente. Michael B. Jordan tem uma impressionante estreia na realização com arriscadas e bem-sucedidas decisões criativas. Jonathan Majors é um monstro que domina o ecrã em todas as cenas. 


Creed III
Creed III

ANO: 2023

PAÍS: EUA

DURAÇÃO: 116 minutos

REALIZAÇÃO: Michael B. Jordan

ELENCO: Michael B. Jordan; Tessa Thompson; Jonathan Majors; Wood Harris; Florian Munteanu; Phylicia Rashad

+INFO: IMDb

Creed III

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