ESPECIAL MOTELX: A lenda portuguesa da Criança Lobo

Criança Lobo é uma produção portuguesa que não tinha como intenção inicial o seu lançamento nas salas de cinema. É um produto que fará parte de uma nova série da RTP chamada Lusitânia – onde será acompanhado por cinco outros contos – mas onde foi visto potencial para ser dado um tratamento para o grande ecrã. O episódio que chegará às nossas televisões terá uma edição diferente, pelo que a versão cinematográfica ficará reservado a festivais de cinema.

A história é das mais clássicas no cinema de terror. Uma mãe que não consegue engravidar está disposta a tudo para poder ter o seu próprio filho, incluindo um pacto com…uma misteriosa criatura da floresta! Claro que isto não corre lá muito bem e o menino, apesar de parecer humano, tem traços de lobo, algo que o próprio desconhece, apesar de apresentar certos comportamentos pouco comuns. A mais importante noite de lua cheia está a chegar e o menino que já é um adulto deve escolher o que quer ser. E a criatura à espreita…a reclamar aquilo que lhe pertence.

Sendo fã de trabalhos anteriores de Frederico Serra – com Coisa Ruim à cabeça – estava bastante expectante para o que poderia ser feito com esta história. De um modo geral, o resultado é positivo. A nível de cenários, guarda-roupa e caracterização é um filme que se destaca, sendo que a realização de Serra volta a procurar ambientes intimistas e fortes diálogos, a maioria deles à porta fechada. O som é um elemento também em grande destaque, sendo quando se foca nos sons da natureza, seja quando acompanha a ação com uma pujante banda sonora que se adequa na perfeição ao tempo e espaço retratado.

O destaque dado aos atores é quase total e, apesar da boa prestação de todo o elenco, o grande destaque deve mesmo ser dado a Rita Cabaço numa fascinante interpretação, bastante multidimensional, como a mãe do menino lobo. Curiosamente deriva desse enorme destaque dado aos atores e ao que eles dizem que nos chega um dos problemas do filme. Não que o leque de atores presentes não seja bom e não dê conta do recado (se bem que aqui ou ali se note uma entrega de diálogo que parece mais teatral do que cinematográfica). Não, o maior problema é que dando-se tamanha exclusividade aos diálogos, perde-se em ação ou até…na utilização do silêncio, um dos grandes pontos forte de Coisa Ruim. Além de existirem alguns abruptos saltos temporais – explicável pelo formato original e pela duração da obra – senti também a falta de mais cenas aterradoras e de um ambiente mais pesado, ficando a salivar por mais tempo de ecrã para a tal criatura da floresta.

Mas Criança Lobo consegue agarrar-nos pela sinceridade em como nos conta a sua história. É uma história adaptável a qualquer parte do mundo, mas esta é uma versão visivelmente portuguesa, com lendas e tradições nossas. Há expressões verbais tão nossas que nunca qualquer tradução as fará justiça e há belos cenários do nosso interior que são elevados por uma bela fotografia. Apesar de em número excessivo – como já referido – há diálogos e falas bastante interessantes com muito para dizer, mas também com muito para nos deixar a pensar. Há questões éticas que se levantam. Há questões de justiça. Há questões de crença. Tudo isso é abordado de um modo satisfatório através do diálogo.

Tudo visto, e apesar de se notarem limitações (seja pelo formato, duração ou orçamento), Criança Lobo é mais uma obra importante de Frederico Serra que mostra porque é que Portugal deve apostar mais e mais no cinema de terror. Podemos pedir algo? Que a próxima longa venha bem mais rápido!


Criança Lobo
Criança Lobo

ANO: 2022

PAÍS: Portugal

DURAÇÃO: 80 minutos

REALIZAÇÃO: Frederico Serra

ELENCO: Rita Cabaço, Maria João Pinho, Manuel Nabais

+INFO: IMDb

Criança Lobo

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