Crimes of the Future perde-se no seu admirável mundo novo

Um novo projeto de David Cronenberg suscita sempre elevadas doses de interesse e expetativa. Quando o mesmo apresenta um elenco com Viggo Mortensen, Léa Seydoux e Kristen Stewart e promete um “regresso às origens” do cineasta canadiano, com pesado body horror e uma história futurista, essas expetativas ainda sobem de tom.

Crimes of the Future começa bem. Somos imediatamente colocados na ação, assistindo a uma cena misteriosa onde uma criança apresenta estranhos comportamentos – comendo plástico como se nada fosse – e uma mãe que, convencida que este não é humano, o mata friamente. Sádico, chocante, mas impactante e colocando-nos no mood certo. Mudamos para aquele que virá a ser o nosso cenário habitual. Dois artistas dos novos tempos que ganham a vida a protagonizar espetáculos que passam por realizar cirurgias em frente a uma audiência, fazendo uso das estranhas capacidades internas de Saul – Viggo Mortensen – em criar novos órgãos de forma regular. Rapidamente percebemos que este é um novo mundo, alterado pela ação humana – poluição, alterações climáticas… – e onde a ciência e biotecnologias cresceram a um ritmo alucinante de forma a acompanhar todas as mudanças que o corpo humano também vai sofrendo. Nem todos os humanos evoluíram da mesma forma, mas muitos são os que não sentem qualquer dor ou sofrem de doenças contagiosas, o que faz com que procurem o prazer de formas…inesperadas.

A dupla Saul e Caprice – quem realiza as cirurgias, Léa Seydouk – comanda o filme e dá-nos alguns dos mais interessantes diálogos, embora, por vezes, se fique com a ideia que se está a dar demasiada informação para o espetador quando isso poderia ser mostrado de forma mais orgânica. Stewart vive Timlin, uma inocente e curiosa burocrata que se vai envolvendo mais e mais com os procedimentos do casal, sentindo uma enorme atração por todo este espetáculo e em particular pelas capacidades de Saul. A juntar a esta trama “mais contida”, há uma enorme conspiração que envolve poderes mais formais e ou informais, incluindo uma organização radical que quer que o mundo seja ainda mais diferente, promovendo eles próprios alterações nos corpos humanos que estão por chegar.

Esta trama parece interessante e é-o como ponto de partida. O problema é que o filme tem muitas dificuldades em soltar as suas amarras e perde-se de forma exaustiva num segundo ato que não avança para qualquer lado, deixando-nos sempre a conjeturar para onde isto vai e como. Diálogo, diálogo, diálogo. Escuridão, escuridão, escuridão. Diálogo, diálogo, diálogo. O ciclo repete-se inúmeras vezes. A dada altura, temos uma autópsia que finalmente nos dá o prometido body horror, a trama parece finalmente querer ir para algum lado e…fim.

Do ponto de vista técnico, confesso que esperava um pouco mais de gore. Sim, há cenas nojentas e explícitas, mas a força das expetativas levou-me a acreditar em algo que fosse ainda mais além. Ainda assim, não é graficamente que o filme realmente desaponta e nem o é através da sua eficaz banda sonora. É, sim, em todo o potencial desperdiçado. Com este elenco – que não é todo aproveitado – e com esta premissa, havia tantos caminhos excitantes para explorar que no final a maior sensação que fica é a de vazio.

Resumidamente, a nova obra de Cronenberg suscita curiosidade e brinca bastante bem com a conceptualidade de um estranho mundo novo, não conseguindo, no entanto, dar o passo seguinte, perdendo-se na exposição e num entediante segundo ato.


Crimes of the Future
Crimes of the Future (Crimes do Futuro)

ANO: 2022

PAÍS: Canadá, Reino Unido

DURAÇÃO: 107 minutos

REALIZAÇÃO: David Cronenberg

ELENCO: Viggo Mortensen, Léa Seydoux e Kristen Stewart

+INFO: IMDb

Crimes of the Future

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