Realizar e produzir uma longa-metragem em Portugal já é uma tarefa complicada. Quando falamos de animação ainda mais o é. O quão mais complicado será para alguém que está a realizar a sua primeira longa da carreira e que opta por uma técnica nunca utilizada no nosso país? Difícil dar uma resposta exata, mas a verdade é que Os Demónios do Meu Avô – uma co-produção portuguesa, espanhola e francesa – é um bom produto, sob qualquer perspetiva.
Nuno Beato não é de todo um novato na animação, mas decidir que a sua primeira longa seria utilizando a técnica stop motion – algo nunca feito numa longa portuguesa – foi, com certeza, uma decisão corajosa. E, curiosamente, nem é assim que o filme começa. Começa com uma animação mais tradicional, vistosa, que cola bastante bem com o mundo empresarial selvagem e o rebuliço que pretende retratar de uma cidade que nunca pára. Tudo muda quando a nossa personagem principal, Rosa, tem que ir ao encontro do seu passado, das suas memórias e demónios – os dela e os de muitos mais – regressando ao local onde foi criada, uma típica e intimista aldeia transmontana. Aí o stop motion entra em ação – que bela transição! – e retrata todos aqueles locais que para muitos é de se evitar a todo o custo, mas que para outros é onde eles próprios se encontram consigo.
Esta é uma história de descoberta. Desde cedo que o realizador mostra saber como nos conquistar ao dar-nos uma boa introdução da relação de Rosa com o seu, mas também em como criar algum mistério à volta dos tais demónios. Considero particularmente interessante a forma como a grande maioria das personagens são construídas, com virtudes e defeitos. Seria fácil criar um avô bonzinho, carinhoso para todos ou até carrancudo, mas sempre tomando as opções certas. Não é isso que aqui feito. Há significado, há zonas cinzentas e o avô quer ajudar a neta a corrigir erros, mas isso nunca irá apagar o que ele fez de mal e que reconhece tê-lo feito a tanta gente. A própria personagem de Rosa demonstra, por várias vezes, um certo desprezo e complexo de superioridade para com aquele local e as suas gentes, sendo gratificante ver como o ciclo se fecha e como o seu arco se completa, muito com a ajuda de amizades inesperadas que ficarão para a vida.
Do ponto de vista técnico, esta é uma produção que nada fica a dever ao que de melhor se faz pelo mundo fora. As técnicas de animação impressionam – e eu confesso não ser o maior fã de stop motion! – e os cenários estão maravilhosamente construídos transmitindo toda a Portugalidade que poderíamos pedir. Tudo sempre bem acompanhado de uma bela banda sonora com raízes notoriamente…portuguesas, pois claro! Nas vozes podem contar com vários nomes conhecidos – Victoria Guerra, Nuno Lopes, Ana Sofia Martins… – mas também com belas novas surpresas.
Nenhum filme é perfeito. Os Demónios do Meu Avô sofre um pouco com um excessivo uso de diálogo expositivo – embora se perceba tendo em conta a vasta audiência que pretende alcançar – e, por vezes, pode parecer uma história demasiado contida, que não procura o topo da árvore (quando virem, perceberão!), mas tudo isso é desculpado pelo excelente ritmo e por tudo o que nos transmite, aliando a dimensão dramática a alguns elementos fantasiosos e a muitos elementos de comédia que resultam bastante bem.
Como conclusão, A primeira longa de animação portuguesa em stop motion surpreende pela sua abordagem adulta e…por funcionar tão bem! Apresenta uma história familiar que nos toca no coração, sem qualquer vergonha de ser marcadamente portuguesa. Aprovado.