Denis Villeneuve tinha prometido que Dune seria uma experiência única, para ser apreciada numa sala de cinema e o realizador canadiano não disse qualquer mentira. A obra, que é baseada no famoso bestseller de Frank Herbert, de 1965, já havia sido adaptada para o cinema por David Lynch em 1984. Felizmente, esta nova versão é em tudo superior ao filme de Lynch e deverá abrir portas a uma nova franchise de sucesso no cinema.
Primeiro, o que esperar deste filme? Para quem não conhece, Dune é uma obra de ficção científica com bastante intriga política e conceitos religiosos à mistura. Não esperem enormes batalhas espaciais nem um foco demasiado grande na ação. Apesar de haver espaço para esses momentos, Dune utiliza-os apenas quando as tensões sobem, sendo o culminar de um conflito por resolver. A ação não é o fim de Dune, mas um dos meios utilizados para dizer o que quer transmitir.
Comparações serão feitas com Star Wars ou The Lord of the Rings, mas Dune é algo próprio, é um território muito seu, tendo potencial para se tornar tão grande quanto esses fenómenos. A história desta parte 1 inicia-se em 10191 e gira à volta do planeta Arrakis, que era até este momento controlado pela casa Harkonnen, mas que foi agora entregue à casa Atreides pelo Imperador. Acontece que a casa Atreides contola, até aqui, o planeta oceânico Caladan, vendo-se agora a mãos com as exigências de um Arrakis totalmente desértico. Desconfiando da missão que lhe fora atribuída, o duque Leto I aceita, ainda assim, a mesma, esperando conseguir obter ganhos, nomeadamente através da cooperação com os povos indígenas, os Fremen. Entretando, o filho do Duque é também filho de Lady Jessica, que pertence a uma congregação de irmãs com avançados poderes físicos e mentais. Treinado por Jessica, Paul começa a desenvolver a “voz” que lhe permite controlar as ações de outras pessoas. Desenvolvendo também outras aptidões, Paul começa, aos poucos, a ser visto pelos nativos como alguém especial há muito profetizado na religião nativa.
De forma simples – acreditem – é, basicamente, isto. Não quero ir muito mais além para não estragar a experiência, mas posso dizer que não tendo contacto com o mundo de Dune além do filme de Lynch, não tive qualquer problema em entrar neste mundo. É para entrar com os olhos e ouvidos bem abertos, esquecendo quaisquer distrações, uma vez que Villeneuve conseguiu construir e passar isto de uma forma bastante bem conseguida. Esse é, aliás, o seu primeiro grande triunfo. Lynch odeia a sua própria versão que terá tido mais influência do estúdio do que poder criativo por parte do famoso realizador, mas aqui isso não acontece. Felizmente, acabaram as irritantes voice over que se ouviam por toda versão de 1984 e aqui quem manda é o diálogo e as atuações irrepreensíveis de todo o elenco. Timothée Chalamet vive Paul, a personagem principal e está à altura dos acontecimentos, com vários momentos de elevada qualidade, como quando enfrenta o seu primeiro grande desafio (mortal) ainda antes de viajar para Arrakis. O elenco secundário é fortíssimo e todos eles – Oscar Isaac, Jason Momoa, Javier Bardem, Zendaya, Josh Brolin, Stellan Skarsgard, Sharon Duncan-Brewster – trouxem o seu A-game para cima da mesa. No entanto, ninguém brilha aqui mais do que Rebecca Ferguson no papel de Lady Jessica. Com uma interpretação poderosa, onde os olhares são o suficiente para dizer tudo o que pensa sem soltar qualquer palavra, Ferguson deixou tudo de si nesta adaptação.
Mas se o cast está a um nível fantástico, nenhum aspeto técnico lhe fica atrás. No campo visual, a fotografia é verdadeiramente sensacional, com enormes e detalhados cenários, suportando-se num excelente contraste de cores. O uso mais escuro das cores – à lá Blade Runner 2049 – parece assentar bastante bem neste mundo é uma aposta ganha de Villeneuve e Greig Fraser, que é, cada vez mais, um importante nome em Hollywood. Já no campo sonoro, é comum dizer-se que Hans Zimmer nunca falha, mas o famoso compositor aqui foi ainda mais além, com uma mescla de rock, música do mundo e eletrónica potente que retira de cada cena todo o sumo possível, transformando boas cenas em cenas verdadeiramente épicas. Falta claro falar de Denis Villeneuve. Cada cena de Dune, cada uso de elementos em escala, cada detalhe em segundo plano é uma obra de arte pura. O canadiano colocou tanto em cada cena que, mesmo que não entendêssemos nada da história, seria impossível negar a beleza do que acontecia no ecrã. Mas, claro, nada disto teria o seu valor, se não existisse um argumento bastante coeso – adaptando bastante satisfatoriamente uma obra que se dizia inadaptável ao cinema – e um diálogo recheado de frases e pensamentos profundos que nos farão pensar por muito tempo.
Posto isto, é Dune um filme perfeito? Eu diria que está, praticamente, o mais próximo da perfeição que um primeiro capítulo de uma história pode alcançar. Não tem um final de história, não tem uma conclusão. Não era possível, claro. Por isso, no final fica-se com aquela sensação de “já?”. E isso é fantástico para um filme com mais de 2h35 de duração. A construção de Villeneuve é pausada e em crescendo, tal como se exige dada a complexidade da obra, mas isso nunca retira o interesse nem o fascínio pelo que nos é apresentado no ecrã. Visualmente deslumbrante e magistral na componente sonora, Dune merece ser visto no grande ecrã para ser apreciado em todo o seu esplendor. Recheado de intriga política e conexões religiosas, cada cena e diálogo devem ser apreciados e analisados até ao máximo detalhe. Por agora – e sabendo que isto está disponível para ver em casa – deixem-me lá ir mais uma vez ao cinema para voltar a ver a magia no seu habitat natural.