Elvis começa logo a 700km/h. Uma montagem absurdamente rápida, com tudo ao mesmo tempo no ecrã e que interliga diferentes períodos temporais de forma a tentar dar-nos de tudo um pouco no mais curto espaço de tempo possível.
Estas coisas costumam correr mal. Há razões para que os filmes biográficos de hoje tendam a focar-se mais em períodos específicos do que na vida inteira de uma personalidade. A não ser que estejamos a falar de formatos televisivos, é impossível que um filme – mesmo que seja longo como este – abranja de forma satisfatória todos os principais acontecimentos da vida de alguém, em especial de um homem que ainda é hoje um enorme mistério. Este filme não é exceção. O início é totalmente caótico, alucinante, confuso e até capaz de provocar dores de cabeça. O estilo de montagem faz parecer que estamos numa montanha-russa que parece não ter fim e confesso que não estava a ver forma de como este filme me pudesse vir a convencer. A juntar a tudo isso – ao mesmo tempo nos era dada a fase mais soft e menos interessante de Elvis, a sua formação – eramos acompanhados pela narração – com um sotaque quase tão cómico quanto carregado – de Tom Hanks no papel do Coronel Tom Parker, personagem que parecia saída de uma qualquer paródia ao estilo Hot Shots! Felizmente, Hanks foi crescendo ao longo do filme, mas não foi só ele.
Com nada a perder, deixei-me envolver na viagem e, praticamente sem me dar conta, o estilo enérgico e original de Baz Luhrmann parecia estar a ter algum efeito em mim. Terei sido eu que me habituei à dopada montagem? Terá sido a montagem que soube balancear melhor toda a informação que me queria passar? É difícil separar as águas, embora o ritmo não me parece que tenha abrandado assim tanto, pelo menos no que diz respeito ao desenvolvimento da história. Afinal, em menos de 10 minutos o filme consegue cobrir acontecimentos como a morte da mãe de Elvis, o início da sua relação com Priscilla e e três anos de serviço militar na Europa…é obra!
Além de me deixar envolver pela louca edição, há outros dois fatores que me conquistaram. Em primeiro lugar, o facto da obra se focar muito mais naquilo que quer ser. Sim, o filme fala-nos da influência da cultura negra em Elvis e dos seus conflitos com uma certa apropriação cultural, bem como com o seu privilégio branco (desde…a primeira cena!). Sim, também somos confrontados com a perseguição que Elvis sofreu por parte do governo norte-americano e de forças policias federais. Sim, também percebemos que quem o rodeia tem algo a esconder e muito quer dele retirar. No entanto, o grande tema de Elvis é o conflito entre a sua faceta de artista vs ser apenas uma máquina de fazer dinheiro. Até onde Elvis está disposto a ceder? Até onde está disposto a ir além? De que forma o querer sempre mais e mais espetáculos poderá afetar as suas performances, o seu estado de saúde? Será que é isso que ele mesmo quer? Será que ele é a máquina ou é apenas um produto? São esses dilemas que nos acompanham ao longo de toda a obra.
O segundo fator que me conquistou foi Austin Butler. A interpretação de Butler é uma autêntica força da natureza. Ele é a versão definitiva de Elvis no cinema. Não só dança e canta de uma forma entusiasmante (as reações das suas fãs na montagem inicial são de chorar a rir de tão ridículas que parecem!), como é capaz de dar uma dimensão humana a uma das maiores e também mais misteriosas personalidades da história cultural norte-americana. Não se sabe até que ponto muito do que ele aqui apresenta corresponde à realidade – será que Elvis estava tão constantemente envolvido nos assuntos da comunidade negra e ciente dos seus privilégios? – mas sabe-se que o que nos é apresentado é-lo feito de uma forma credível que nos faz torcer por aquela personagem, mesmo sabendo qual viria a ser o seu trágico destino.
Além da já referida edição, o filme eleva-se também em outras áreas técnicas. Uma delas é a caraterização. Embora muitos torçam o nariz à personagem de Hanks, tudo o que passa por cortes de cabelo, make-up e, já agora, figurino apresenta-se a um nível elevado. A cinematografia granulada e acinzentada dá-nos também aquele aspeto de filmagem antiga, o que acaba por resultar muito bem e nunca posso deixar de destacar…o som, claro! Qualquer obra de Elvis já teria uma grande vantagem com todo o catálogo do rei que tem para explorar, mas Baz não só incorpora alguns remixes contemporâneos na obra (o que não irá agradar a todos), como explora o som na perfeição em todos os diálogos e principalmente na mixagem do mesmo, elevando ou baixando os seus decibéis adequadamente na perfeição.
Elvis não é um filme isento de falhas e é um chá alucinogénico que não cairá bem a todos. Ainda assim, ultrapassando a estranheza inicial e deixando-nos envolver na história, é um filme que acerta bem mais do que erra, mais não seja pela proeza de nos dar uma biografia de 2 horas e 39 minutos que nunca, por momento algum, nos faz bocejar ou sentir enfadados. Não são muitos os filmes que nada me convencem nos seus primeiros 20 minutos e que me fazem mudar tanto de opinião daí para a frente. Apoiado numa enorme interpretação de Butler e numa totalmente louca (por vezes, exagerada) edição, Elvis conseguiu essa proeza. Não tomem drogas, aconselho. Mas esta é uma experiência com efeitos semelhantes.