EO é um jumento. Acontecem-lhe coisas. Vemos pela sua perspectiva a beleza e o caos do que o rodeia.
EO é um dos filmes mais bonitos que já vi. Tem a sua pitada de experimental. Procura contar o que não precisa nem carece de enorme explicação: acontecem coisas ao asno.
Esta temática de observação dos indivíduos quer a solo, quer num colectivo, é bem na minha praia. Admito, um filme disto é pesado e exigente de ver.
Felizmente EO apenas dura pouco menos de hora e meia. Pelo meio há peripécias que projectam a narrativa para a frente e nunca fica demasiado tempo a boiar na maionese.
A filmografia deste filme começa com um toque amador de estudante de cinema em fim de curso que tem excelentes influências e quer mostrá-las todas num leque de erecções criativas típicas de juventude ingénua cheia de vontade de se provar.
À medida que avança, torna-se mais experimental a espaços, mais introspectivo, mais grandioso nos planos abertos e mais ambicioso na captação de sensações através do audiovisual.
A componente sonora também é rica. Há destaque do meio ambiente em sequências com nenhuma música e para pautar de introspecção ou avanço da metragem, os instrumentos de corda preenchem bem o espaço deixado pela ausência de diálogo, que deterioraria as sensações a passar.
Não é depreciação nenhuma que não tenha muito a dizer sobre isto. É muito bonito. Vale a pena. É filmado com alma. É incisivo e arrojado na abordagem, mas no fundo não tem uma abismal substância a analisar. Tudo o que pudesse discorrer daqui seria conjectura pura.
Sinto que se tenho a necessidade de pescar demais sobre o que vi, estou a fazer um favor ao filme, caso tenha gostado dele, ou estou a ser injusto com a visão do realizador ao espezinhá-lo. Aqui não quero socorrer-me de nenhum destes artifícios para encher texto.
E com a última linha deverei ter entendido do que entendi do filme: é sobre o balanço. Nem o pobre burro a quem meramente acontecem coisas é totalmente isento do que lhe acontece.
A dada altura toca-me a questionar se tudo o sucedido é fruto do que se lhe precedeu ou quando é que paro de desculpabilizar o jumento pelo que opta por fazer face ao que lhe é apresentado.
Eis que tenho a confirmação, em retrospectiva. Ninguém que é apresentado ao asno é apenas bom ou apenas mau. Encapsula em si a dualidade de que é composto. São pessoas. O asno é doméstico, portanto observou dessa dualidade por toda a sua vida. É um fruto da sua experiência ou é experiente a aplicar o que observou?
Acho que a questão é a pergunta que não sabia que iria colocar no início do filme e é a conclusão que me permito a atingir.
Bem-aventurados os burros da existência pois da nossa vontade de viver está o sentido da vida.