Tudo. Em todo o lado. Ao mesmo tempo. Muito filme para absorver! Estas são as sensações que se obtém quando se acaba de assistir a este filme pela primeira vez. Everything Everywhere All at Once é uma experiência singular e muito diferente de tudo o que se possa esperar. Sim, incorpora elementos já vistos antes – a roda já foi inventada e o filme sabe o que tem para referenciar – mas junta tudo de uma forma tão original e inesperada que nos dá a ideia de que o que estamos a assistir é até algo diferente de simples cinema.
Vamos por partes. Este filme é realizado pelos Daniels – um duo de realizadores que se chamam…”Daniel” – e eu ia para isto com algumas expetativas, mas um pouco de pé atrás. Apesar de muito elogiado por film nerds, o primeiro filme da dupla – Swiss Army Man, com Paul Dano e Daniel Radcliffe – não me cativou. Tinha um conceito interessante, mas mascarava a sua falta de substância com estupidez pura. Este Everything Everywhere All at Once ainda aumenta as doses de loucura, mas fá-lo de um modo bem mais convincente e cativante, ao mesmo tempo que aumenta aquilo que tem para dizer – a sua substância.
Na história, Evelyn Wang – Michelle Yeoh – é uma mulher desapontada com a sua vida. Depois de muito ter sonhado para si e para a sua família, vive um amor desgastado, gerindo ainda com o seu marido uma lavandaria a braços com vários problemas financeiros. Um dia recebe umas estranhas instruções que lhe permitem transportar-se para outras dimensões onde percebe que existem várias Evelyns em diferentes cenários dependendo das escolhas que tomou – embora em todas estas versões, exista um pouco da mesma Evelyn! Claro que isto não se fica por aqui e existe um vilão – sob a forma da sua filha! – que pretende destruir todos estes multiversos.
A história já seria rocambolesca o suficiente, mas o que os Daniels fazem com a mesma é quase impossível de explicar. Num universo todas as personagens têm os seus dedos das mãos substituídos por salsichas, num outro são rochas, num outro são desenhos animados, num outro Evelyn é famosa e rica…tudo isto feito de uma forma super acelerada que nem nos permite respirar enquanto nos vai atirando com tudo na cara ao mesmo tempo. Há aqui muito a acontecer, mas apesar de, por vezes, EEAAO exagerar no absurdo e na quantidade de coisas que nos mostra em cena, acaba por surpreender a forma como no final tudo se encaixa e faz sentido. Comecei o filme a pensar que não estava a gostar assim tanto, deixei-me levar por este mundo e saí completamente satisfeito. A ténue linha onde se tenta balançar entre comédia absurda, ação estilosa e drama sentimental acaba por, incrivelmente, funcionar e no final dá-nos verdadeiras lições sobre a vida, sobre a forma como a encaramos, sobre o que importa e sobre a forma como damos valor a tudo o que nos rodeia. Incluindo em relação a quem pensa e faz diferente – tal como este filme o faz.
EEAAO é muito suportado num magnifico trabalho de edição, um dos melhores que alguma vez vi – feito no…Adobe Premiere?! – e nas grandes interpretações do seu principal elenco. Yeoh é a estrela e tem um dos maiores destaques da sua fértil carreira, sendo aqui tudo e mais alguma coisa – estrela de ação, comediante, atriz dramática, tudo! -, mas também por Ke Huy Quan – o Short Round do Indiana Jones está de volta ao cinema! – e Stephanie Hsu, marido e filha de Evelyn, que estão sempre no centro da ação, ora vivendo diferentes personagens em diferentes multiversos, ora tendo a maior importância na descoberta emocional de Evelyn. Esquecemo-nos de Jamie Lee Curtis? Não! A experiente atriz é uma das peças-chave desta história, protagonizando alguns dos mais inspirados momentos.
É prudente dizer que isto não é para todos os públicos. Para uns, o absurdo de certas cenas poderá ser apelidado de estupidez e isso poderá retirá-los do filme. Para outros, poderá ser desesperante ver tanta coisa ao mesmo tempo em cena, sendo difícil focar-se em algo no meio do caos. Também considero que o filme se estende ligeiramente em demasia na sua reta final, estando claro tudo o que tem para dizer, pelo menos, dez minutos antes. No entanto, isto é uma experiência necessária que todos devem dar uma oportunidade, indo de mente bem aberta e esperando elevadas doses de criatividade. Atentem nas suas lições de vida, atentem nos paralelismos que faz com pressões familiares – até tem pontos em comum com…Turning Red! – ou pressões internas, atentem em como tudo começa e tudo termina, num perfeito exemplo do que é uma boa estrutura em três atos.
Primeiro estranha-se e depois entranha-se. EEAAO é uma verdadeira experiência cinematográfica que tem de tudo um pouco. Os níveis de absurdo podem afastar algum público (há dildos a voar por todo o lado!), mas esta é uma história louca, divertida e com muito para dizer. É o meu filme de multiverso favorito do ano e tem muito para oferecer em múltiplas visualizações.