Egos, insegurança e ambição num mundo sem Fair Play

Fair Play é um filme que não tem sido corretamente vendido. A sua promoção tem passado muito por uma certa tendência para explorar os seus aspetos sexuais, quase levando a crer que o novo filme da Netflix – na verdade, adquirido pela gigante do streaming em Sundance por $20M – é um thriller erótico. Não o é. Na verdade, quem o queira ver por essa razão irá sair desapontado, pois cenas escaldantes estão reduzidas a quase nada. Já quem queira ver um bom filme, cheio de ideias interessantes e com algo a dizer, acredito que saia satisfeito. 

Na história, Emily (Phoebe Dynevor) e Luke (Alden Ehrenreich) são dois jovens adultos apaixonados um pelo outro. Tudo é mantido em segredo, pois ambos trabalham para uma empresa de hedge funds onde a política da companhia não vê com bons olhos relações entre colegas. Quando um deles consegue uma promoção na empresa, as coisas entre o casal começam a mudar radicalmente e a ambição profissional de ambos poderá ser mais forte do que o amor que os liga. 

 

Não irei explorar muito a fundo os detalhes da trama, mas – como em qualquer filme centrado numa relação entre duas pessoas – é essencial falar do trabalho da dupla que está nos papéis principais. O filme pede muito tanto a Phoebe Dynevor quanto a Alden Ehrenreich. O guião pede bastante do arco das personagens e faz com que emocionalmente ambos os atores tenham que viajar por territórios lamacentos. Ambos o fazem, de uma forma geral, com bastante eficácia, mantendo-nos sempre interessados na história, não sabendo nós muito bem o que esperar das cenas seguintes ou dos seus potenciais comportamentos. Dynevor – a qual não conhecia – está ainda um degrau acima de Ehrenreich – que já conhecia bem -, pois são percetíveis de um modo mais realista as suas mudanças comportamentais em função do que a personagem Emily vai passando, seja a nível corporativo, seja a nível romântico. A confusão que vai dentro de si no segundo ato é solta, de forma exemplar, como um autêntico grito de revolta na parte final do terceiro ato e aí fica completamente claro que este filme é dela. E, tal como a sua personagem fez por merecer a sua promoção, também a atriz fez por merecer ser a estrela principal de Fair Play.

A forma como o filme explora o mundo corporativo e a área destes fundos em particular é muito interessante, ainda que possa parecer como aprender Japonês para a maioria dos portugueses. No entanto, percebemos as mensagens que nos quer passar quando fala desse tema, quer quando nos quer falar da sua moralidade, quer quando nos quer mostrar quem são as estrelas na companhia, quem são os sortudos e quem são aqueles que ali estão por favor. É um mundo duro, um mundo cruel, onde poucos sobrevivem e onde talvez ninguém se torne uma melhor pessoa. Mas é um mundo apenas para alguns e para esses alguns esse é o mundo perfeito. Recheado de potencial financeiro, de pessoas frias – o que interessa é o dinheiro que trazes para a empresa e nada mais – e de um desequilibrado balanço entre a vida profissional e a vida pessoal, muito bem exemplificado em cenas que nos mostram como mensagens, telefonemas e até encontros profissionais podem ocorrer de madrugada. 

No entanto, reduzir Fair Play a essa temática é enganador. Na verdade, o que Fair Play mais explora tematicamente são as relações. As relações de poder a nível corporativo, mas também os papéis de cada um de nós nas nossas relações pessoais. De que forma é que estamos preparados – principalmente nós, homens – para ser o elemento menos bem-sucedido profissionalmente e financeiramente dentro do nosso lar? É uma questão que a muitos não se coloca e poucos o admitirão, mas os preconceitos que se foram instalando ao longo de séculos na sociedade, faz com que muitos homens se sintam inferiorizados nesse papel, demonstrando em situações como essa uma enorme insegurança que não lhes era conhecida. E é aí, quando aborda o frágil ego masculino, que Fair Play ganha muitos pontos. Principalmente quando o faz de forma demonstrativa e pouco expositiva, através de demonstrações subtis de reações e comportamentos. Estica-se um pouco no terceiro ato, quando opta por uma abordagem mais expositiva das temáticas quase que querendo agarrar o público mais mainstream, mas nunca perde a força do que tem para dizer. 

A forma como Chloe Domont – que escreve e realiza um filme pela primeira vez depois de um bom período na televisão – constrói este vulcão de emoções e comportamentos em crescendo de forma sensível e muito calculada merece elogios, bem como merece a edição do filme e a forma como alguns artíficos sonoros são utilizados, relembrando-nos constantemente que isto é um thriller e que o mundo perfeito poderá estar à beira de de desmoronar. Há algumas opções narrativas que me deixaram a coçar a cabeça, mas, mesmo aí não posso deixar de elogiar a coragem de ir pelos caminhos que vai no terceiro ato. A fragilidade do ego masculino e as relações de poder são exploradas de um modo bastante ácido e necessário num thriller que nos deixa sempre a duvidar de como isto pode vir a ter um final feliz.


Fair Play
Fair Play

ANO: 2023

PAÍS: EUA

DURAÇÃO: 113 minutos

REALIZAÇÃO: Chloe Domont

ELENCO: Phoebe Dynevor; Alden Ehrenreich; Eddie Marsan; Rich Sommer

+INFO: IMDb

Fair Play

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