Hoje estreia nos cinemas o tão aguardado e polêmico The Flash, primeiro longa live-action estrelado pelo Velocista Escarlate da DC Comics. Então, em preparação para o lançamento, decidi revisitar o longa animado lançado em 2013, Justice League: The Flashpoint Paradox, que adapta para o audiovisual a série de quadrinhos de mesmo nome que, por sua vez, também serve de inspiração para o mais novo filme do herói.
Em Flashpoint, o super-herói Flash se vê preso em uma realidade alternativa onde o nosso mundo sofre em meio a uma guerra entre as nações de Temiscira e Atlântida, governadas respectivamente pelos heróis, aqui tiranos, Mulher-Maravilha e Aquaman. Neste universo paralelo em que muitos papéis são subvertidos e reimaginados, Barry Allen, alter ego do herói protagonista, é abalado principalmente pelo fato de que sua falecida mãe aqui permaneceu viva. Ou seja, fazer com que tudo volte ao normal significa abrir mão de uma vida muito importante para si.
A premissa de Flashpoint é extremamente interessante, e o filme é muito divertido. Porém, antes de trazer elogios, vamos ressaltar os pontos negativos da obra. Primeiramente, a fragilidade que mais se destaca em Flashpoint é a sua excessiva exposição textual. Tudo é verbalizado descaradamente pelas personagens de forma nitidamente preguiçosa, sem que haja qualquer intenção de se criar contextos para que tais verbalizações se justifiquem. É absurdo como, em literalmente menos de dois minutos de filme, The Flashpoint Paradox consiga apresentar não só o grande tema do longa em um breve diálogo, como apresenta de imediato uma reflexão acima disso que resolve qualquer conflito que se resulte das problemáticas trazidas pelo filme. A discussão de Flashpoint é concluída antes mesmo de que o filme dê início à sua trama adequadamente.
Outro aspecto que balança no filme é a premissa de desapego, responsabilidade e aceitação que apresenta. As ideias centrais de Flashpoint são muito interessantes, mas acabam por ser subutilizadas. O tema que abrange tais ideias é bem apresentado e ajuda a engajar com o filme, mas logo que Barry corre para o segundo ato, isso é aproveitado como pano de fundo para uma história que passa a se focar em outras tramas inseridas no longa, como o conflito entre nações já citado, e a exploração das variações dos heróis que o Flash tinha como aliados em sua realidade. Assim, dilemas de enorme potencial como “salvar minha mãe, ou restabelecer o equilíbrio do universo?”, acabam sendo deixados de lado.
Por fim, Flashpoint insiste em utilizar de animações em CGI para algumas sequências de ação do filme, e o resultado é bem feio. De um modo geral, a arte do filme resulta bem. Seguindo o padrão de séries animadas da DC, Flashpoint conta com traços, personagens e cenários bem detalhados, mas obviamente limitados, que cumprem bem o seu papel de ilustrar o fantástico mundo da Liga da Justiça. Porém, em momentos chave do filme, a direção opta por substituir os desenhos do protagonista por um modelo em 3D horroroso, nada bem finalizado e completamente destoante de toda identidade visual do filme.
Pois bem, apresentados os problemas de The Flashpoint Paradox, falemos de tudo o que faz desse filme uma obra tão divertida. Para começar, é de se destacar a incrível dinâmica das equipes aqui apresentadas. Cada grupo trazido pelo filme convence com suas relações que respeitam suas características individuais, e sua funcionalidade coordenada em ação. É empolgante acompanhar, por exemplo, o trabalho da Liga da Justiça do universo regular apresentada no início do filme. Os membros da equipe já são experientes no que fazem e conhecem bem a personalidade de cada um de seus colegas, o que faz da eficiência do seu trabalho em equipe algo muito prazeroso de se assistir. E, é claro, não fica só por aí. Ao explorarmos a realidade alternativa, cada variação das personagens clássicas sacia nossa curiosidade com construções narrativas bem feitas e atentas aos detalhes, consolidadas por um senso de causa e consequência muito bem apurado.
Mas o principal trunfo de Flashpoint, é a forma como o enredo do filme brinca com a ideia de universo paralelo. The Flashpoint Paradox leva a sério as consequências das ações de suas personagens e dos elementos externos que interferem em suas vidas, e assim cria arcos complexos e provocativos para as versões mais obscuras dos heróis clássicos que passamos a conhecer aqui, sem se dar ao luxo de resolver personagens tão quebradas com simples milagres de argumento. Tudo visto em Flashpoint é mais agressivo ou traumático do que estamos habituados a ver nas histórias de universos regulares da DC Comics. Temos uma versão completamente violenta do Batman, cujo manto de morcego cobre o rosto de um Thomas Wayne traumatizado pela morte do filho, Bruce. Temos também um Superman cuja nave jamais pousou no terreno dos Kent, mas sim em meio a Metrópoles, o que o levou a se tornar cobaia do governo dos EUA. As personagens alternativas são variadas o suficiente para prender a atenção do público e estimular a sua curiosidade, e as consequências das mudanças em suas tramas tradicionais são radicais ao ponto de garantirem a elas destinos pessimistamente genuínos e bem desenvolvidos. The Flashpoint Paradox é constituído de um universo e de personagens provocativos e muito bem construídos, que empolgam com sua inventividade e mantém o engajamento até os créditos finais do filme, apesar de todos pontos negativos que o mesmo carrega.
Falho, porém muito divertido. Justice League: The Flashpoint Paradox encanta com a forma obscura que lida com a ideia de universos paralelos, ressignifica personagens e discute, mesmo que de maneira rasa, desapego e responsabilidade. É um inventivo filme que, com certeza, vale muito a pena ser conferido.