O terror é um género com um potencial enorme a nível global. Cada local, cada vila, cada cultura, tem os seus costumes, os seus mitos e os seus medos e material nunca faltará para explorar esses medos e dá-los a conhecer ao mundo.
Good Madam é um perfeito exemplo de um cinema de terror cheio de metáforas e alegorias que procura dar uma dimensão sobrenatural a problemáticas do nosso quotidiano. Tudo começa com uma morte. A morte da “avó da família” abala toda a estrutura familiar e os vários herdeiros aproveitam o momento para estarem mais perto de tudo o que tudo tinham pouca vontade em vida. Isso afasta Tsidi (Chumisa Cosa), a neta, que forçada a ir viver com a sua mãe, onde esta é a doméstica que tudo faz numa histórica casa colonial – onde apenas habita com uma idosa que já nem da cama sai – sendo obrigada a confrontar os seus medos do passado que se revelarão bem reais no presente.
Este não é um filme que vos fará saltar da cadeira a cada cinco minutos. A aposta de Jenna Cato Bass é toda no terror psicológico. Para isso utiliza uma bastante bem construída atmosfera pesada, recheada de misticismo, dando-nos aqui e ali algumas pistas sobre o poder do passado e o efeito das suas amarras nos tempos presentes. De forma a ajudar a suportar esse ambiente, além de certos estranhos amuletos, a casa tem um conjunto de regras para os seus visitantes que, basicamente, obrigam a que estes finjam que lá não estão, o que dá uma áurea mais mística a um filme, que é eficazmente editado com alguns arrepiantes cortes rápidos que vos farão subir a tensão.
Será que o terror sempre resulta? Provavelmente não e muita da sua eficácia estará intimamente ligado ao quão envolvidos sejam por esta história que vai além de uma história sobrenatural. Há a componente humana, há um passado sul-africano com muitas feridas abertas, há um Apartheid oficialmente terminado, mas há também um Apartheid que todos os dias se acentua nos subúrbios, com inteiros condomínios onde negros apenas entram para fazer aquilo que os brancos – que ainda detêm a grande maioria das posições de poder – não querem fazer. Há uma colonização que terminou, mas há mentes por descolonizar e há toda uma grande franja da sociedade a quem ainda pouco resta a não ser a subserviência, de forma mais ou menos formal.
Mas não é por aí que Good Madam se fica. A sua componente de terror está também eficazmente trabalhada através de um feitiço que explica porque algumas mentes ainda não se descolonizaram. Temos direito a algumas cenas bastante bem trabalhadas entre o real e o imaginário e onde a realizadora demonstra ter boas mãos para trabalhar a temática com alguns planos tão inteligentes quanto assustadores. Há interpretações bastante realistas que também elevam tudo o que vemos no ecrã, mas nenhuma delas o faz tão bem quanto Chumisa Cosa é capaz de o fazer. Com algumas expressões faciais que, por si só, são assustadoras o suficiente e dando uma verdadeira dimensão humana ao papel, não só pelo que acontece à sua volta sobrenaturalmente, mas principalmente em todos os seus conflitos como mãe, filha, ex-companheira ou familiar mais ou menos chegada, Cosa é uma autêntica força da natureza como Tsidi e alguém fácil de nos fazer torcer por ela.
O terror social estará sempre na moda. Já o estava há muitas décadas atrás e isso acentuou-se nos últimos anos. Com Get Out, Jordan Peele levou-o para outros patamares e audiências e isso levou ao aparecimento de várias cópias. A maioria dos dos melhores filmes do género tem vindo “de fora”, quando nos conseguem apresentar elementos de diferentes culturas, tornando a sua crítica em algo bem mais genuíno e original, transportando-nos para toda uma diferente realidade. Good Madam é um dos melhores a fazê-lo nos tempos recentes e um dos melhores terrores já feitos no continente Africano.