Quando foi anunciado um remake de Hellraiser de 1987, foi com alguma surpresa que muitos viram o seu lançamento direto nas plataformas digitais. Eu não. Como menino nos anos 90 o que eu mais me recordava de Hellraiser eram as péssimas sequelas – teve nove! – que suscitavam curiosidade – e depois deceção – a quem visitiva o videoclube local. Quando revi a obra original, percebi um pouco mais do fascínio pela mesma, mas continua longe de ser uma das minhas referências de terror. Considero o mundo criado fascinante, Pinhead e os Cenobites são personagens com um potencial enorme, mas também considero que o melhor é o conceito e não a forma como foi colocado em prática, tendo o filme original muitas valias, mas também uma história fraca que inclui um romance pouco convincente e alguma excessiva repetição de elementos.
As expetativas para esta nova obra eram mistas. Pinhead sofreu mudanças e a história também é nova. A personagem de Pinhead é agora interpretada por Jamie Clayton e o facto da atriz ser transexual levou a que os comichosos do costume tenham ficado ofendidos. Na verdade, Clayton é uma excelente atriz e uma escolha que se encaixa perfeitamente no background da personagem e no que ela deve representar. Quanto à história, esquecemos aquele romance pouco credível e focamo-nos muito mais na caixa de puzzles e no universo paralelo. Faz sentido e o filme sente-se bem mais adequado às audiências modernas do que o original…lamento, boomers!
A história fala-nos de uma rapariga, Riley, ex-toxicodependente que visita um armazém antigo com o namorado em busca de relíquias. Lá encontram uma estranha caixa que, mais tarde, vem-se a revelar mudar de formato quando se descobre como completar cada um dos seus puzzles e traz consigo um rasto de morte, sangue e destruição que parece impossível de travar. O primeiro ato do filme é excelente. Depois de uma boa cena introdutória seis anos no passado, somos introduzidos à personagem de Riley – e dificilmente a carreira de Odessa A’zion não irá explodir depois deste excelente papel – que é carismática e problemática, sendo portanto fácil de nos identificarmos com a mesma e com os seus dramas. Não passa muito tempo até sermos engolidos pela ação e a tensão criada nessa parte do filme faz muito lembrar o que Nia daCosta fez com o remake de Candyman, sempre com uma atmosfera pesada antecipando que coisas piores estão para vir.
A sensivelmente meio do filme há uma mudança em termos de localização. Depois de andarmos um pouco por todo o lado em busca de respostas, o filme centra-se numa única localização, na mansão do milionário Roland Voight, que parece estar por detrás disto. Aí o filme tem cenas bastante boas mas, infelizmente, também se arrasta um pouco. Isso é particularmente notório quando a uma das melhores cenas – onde as nossas personagens tentam abandonar a cena de carrinha – se sucede um período de cerca de dez minutos que bem poderia ter sido cortado na fase de edição, uma vez que pouco acrescenta e até corta o ritmo. Felizmente, David Bruckner – que anteriormente realizou The Night House e The Ritual – reencontra o caminho certo e entrega-nos uma ponta final com bastante qualidade, onde temos direito a tudo o que pedimos: muito sangue, entidades malignas, drama, traições e escolhas que irão mudar vidas. E, claro, a essas escolhas estão associadas lições e mensagens que fazem sentido.
Do ponto de vista técnico, Hellraiser é um filme forte. Ainda que os cenobites e Pinhead pareçam por vezes demasiado artificiais, os efeitos práticos utilizados em outras cenas suplantam essas debilidades. A nova caixa é um mundo totalmente novo, traz consigo mais perigos e é uma bela obra de engenharia. Este é um filme escuro, como Bruckner nos habituou, e ele sabe como trabalhar isso bem, com um bom uso de sombras e algumas cenas de suspense elevado, sempre pontuadas por uma excelente e sombria banda sonora.
Em suma, Hellraiser é uma lufada de ar fresco numa série que parecia perdida. Ainda que o segundo ato se estenda em demasia, tanto a maneira como nos introduz a este mundo, como a forma como conclui o seu arco é bastante satisfatória. Se for para continuar desta forma, estou disposto a perdoar todas aquelas terríveis sequelas que enchiam as prateleiras dos videoclubes.