Que viagem! Ridley Scott é, acima de tudo, um homem sem nada provar e sem receio de coisa alguma. Realizou filmes de terror, de ficção científica, de guerra, épicos, dramas e comédias. Por cada vez que se diga que falta uma identidade própria ao mesmo como realizador, o mesmo pode, justificadamente, sacar a carta da sua capacidade camaleónica de brincar com todo o tipo de filmes. Em House of Gucci ele pegou numa tragédia familiar e transformou-a numa mistura de drama com comédia, o que pode levar muitos a torcer o nariz, mas que, com a sua abordagem satírica, me convenceu desde o primeiro minuto.
Comecemos pelo princípio: que primeiro ato! A história de como Patrizia Reggiani (Lady Gaga) conheceu Maurizio Gucci (Adam Driver) e como daí nasceu um improvável amor destrutivo é absolutamente fascinante. Nós sabemos como isto vai acabar, mas todos nós sorrimos com eles e torcemos – mesmo sabendo que não vai dar! – para que tudo dê certo no final. A química entre os atores é visível, mesmo que os dois vivam duas personagens tão diferentes: Adam Driver parece encaixar perfeitamente no papel contido e introvertido de Maurizio e Lady Gaga nasceu para viver Patrizia Reggiani, uma mulher de espírito livre e aberto que gosta de dinheiro e de possuir tudo o que pode e o que não pode (“eu sei que queres tudo”, uma fala de Pina, vivida por Salma Hayek, que lhe assenta na perfeição).
Embora o filme abane sensivelmente a meio do 2º ato, quase se perdendo nas mudanças de tom e nas várias histórias em simultâneo, Ridley Scott consegue agarrar a trama suportando-se no excelente trabalho de todo o elenco. Sobre Gaga há poucas palavras para a descrever. Nota-se o carinho e o empenho que colocou neste trabalho, dando uma sensação incrível de realismo e de pés bem assentes na terra que tornam a personagem de Patrizia numa com que facilmente nos sentimos atraídos, mesmo sabendo o que ela acabou por trazer à família. Os monstros Jeremy Irons e Al Pacino estão por cá e também bem à altura dos acontecimentos. Irons vive Rodolfo Gucci, o pai de Maurizio que odeia Patrizia até aos seus últimos momentos de vida. Al Pacino está ainda num patamar acima, vivendo o tio de Maurizio, Aldo Gucci, mais aberto do que o seu irmão a outro tipo de aventuras e também alguém que se dá bem melhor com Patrizia, sendo o grande pilar que suporta o casal principal quando estes mais precisam. Por último, mas NADA menos importante: Jared Leto! Que prestação louca! Gaga é a estrela e merece todos os elogios, mas Leto diverte-se como nunca, com uma atuação tresloucada e cartoonesca, onde coloca humor em tudo o que faz. A sua caracterização é estupenda, mas a interpretação ainda mais marcante, sempre surpreendo-nos com a sua excentricidade, sendo algo totalmente diferente de qualquer outra personagem deste elenco.
No 3º ato, House of Gucci volta a recuperar toda a sua força. Há traições com fartura, há momentos cómicos, há descidas à loucura (ou próximo disso), há assassinatos encomendados. Nos aspetos técnicos, além da segurança de Scott no controlo de toda a realização, temos um excelente trabalho de Dariusz Wolski na fotografia a destacar, bem como um trabalho de guarda-roupa (óbvio, é Gucci!) e make-up sensacional. A banda-sonora também cumpre bem o seu papel, com vários temas conhecidos que farão as delícias de quem viveu os anos 80 e 90.
House of Gucci fez-me ter um sorriso na cara durante mais de duas horas e meia. É um filme onde Gaga brilha a cada instante, onde Leto não se cansa de nos fazer rir e onde todo o elenco se parece divertir a valer. Aos 84 anos, Ridley Scott não tem já nada a provar e agora faz filmes por puro prazer, preocupando-se pouco com o que os outros irão pensar. O tom que mistura comédia e drama pode não ser o mais convencional para uma história de crime, mas para falar de uma louca família nada melhor do que um filme louco.
