A passagem do tempo em Indiana Jones e o Marcador do Destino

Os sortudos que cheguem aos 80 anos de vida sabem que já lhes restam menos anos pela frente do que os que por eles já foram vividos. O tempo não volta para trás e a ninguém perdoa. Na vida é com o tempo que tudo aprendemos, desde darmos os primeiros passos até outros ensinarmos a os darem. Mas também é o tempo que nos ensina que tudo tem uma data limite e que todas as melhores capacidades que adquirimos irão um dia começar a regredir e desaparecer. Harrison Ford tem hoje 80 anos. Por estranho que isso possa soar, ele é ainda, aos dias de hoje, protagonista de um filme de aventura e ação no papel da mítica personagem Indiana Jones, mas nem o famoso Dr. Indy pode escapar ao implacável destino do tempo. E este 5º filme, o Marcador do Destino, nunca nos permite esquecê-lo. 

Passada a cena introdutória no passado – com um excelente uso do de-aging nas expressões faciais de Ford, mas com falhas no CGI quando apresenta movimento – somos de imediato atirados para uma cena, de certa forma, comum na série. Uma cena que nos recorda de outros, sendo nostálgica, mas que também nos dá alguma tristeza porque diz tudo aos fãs da saga sem o dizer por palavras. As estudantes que um dia não conseguiam e nem queriam esconder o seu olhar admirador e até apaixonado pelo Dr. Jones foram agora substituídas por estudantes que pouco querem saber do que ele está a falar. Afinal, ele é só mais um “professor velho” a falar-nos do passado. Mais tarde, o filme é mais amigo dos fãs da personagem quando ao recordar-nos outro momento do passado – que não vou citar porque incluiria spoilers – nos apresenta esse momento com a mesma ternura e carinho desses tempos, demonstrando que há coisas que nem o tempo pode vencer.

Nota-se o carinho que Harrison Ford tem por esta personagem, ao contrário de outras clássicas personagens que o ator admite que pouco lhe dizem e que apenas as desempenhou por dinheiro. Se há um Indy similar nos dois primeiros filmes, há uma evolução que se nota nos filmes posteriores, sendo que é no início deste filme, alguém a sentir a passagem do tempo e as suas feridas mais do que nunca. Indy está desgostoso com o que a vida lhe foi dando recentemente. As aventuras já não podem ser as do passado, ele sente falta disso, mas também a estabilidade da reforma das maiores aventuras não é aquela com que ele sonhou. A sua confiança, gabarolice ou até arrogância passou agora para resmunguice e é um Dr. Jones carrancudo aquele que chega à última etapa da sua vida. Tudo isso, inteligentemente, se encaixa com o que é o MacGuffin desta aventura, o Marcador de Arquimedes, uma peça que pode ajudar o nosso herói a recuar e refazer erros do passado.

Neste 5º filme, Steven Spielberg não é, pela primeira vez, o realizador de um filme de Indiana Jones. Diferenças criativas poderão estar por detrás da decisão e é também na criatividade com que isto é filmado onde mais se sente a sua falta. James Mangold é um realizador bastante competente. Walk the Line, Ford vs Ferrari e Logan falam por si. É também alguém experiente a falar de fases descendentes e finais de personagens, estando habituado a lidar com o tema. Aqui volta a abordar bem esse aspeto, tocando no assunto várias vezes, mas não abusando da exploração do mesmo de forma subversiva ou demasiado sentimentalista. Ainda assim, nos aspetos técnicos, Mangold não é Spielberg. Ninguém é, dirão os admiradores do pai dos blockbusters de verão. Correto, mas, sente-se a sua falta. 

A composição musical de John Williams está tão brilhante quanto sempre o foi e os setpieces apresentados são grandiosos e diversificados, como se espera num filme da saga. Falta, no entanto, uma certa magia presente nos quatro capítulos anteriores da saga (sim, até no quarto, que é um filme pior narrativamente, mas mais entusiasmante nas cenas de ação). Spielberg filma de uma forma mais dinâmica, mais suave, mais orgânica, aparentemente com um menor esforço, sabendo sempre onde colocar a câmara e fazendo com que o cenário seja sempre parte ativa de cada uma das suas cenas. Mangold fá-lo de uma forma mais crua, mais bruta, mais violenta até. O movimento está lá, mas, por vezes, mais parece o de um filme de James Bond do que o de um de Indiana Jones. Os planos largos que tanto caracterizam o cinema de aventura de Spielberg são aqui apenas utilizados como planos de estabelecimento (estabilishing shots), nunca se atrevendo Mangold a variar demasiado durante a ação. Usa e abusa de planos apertados e não há qualquer problema em utilizar técnicas nas quais se sente mais confortável, mas a diferença é notória. 

Quando chegamos ao terceiro ato, já percebemos que isto tem o seu quê de satisfatório, mas também aceitamos que talvez nunca vejamos filmes do género tão bons quanto a trilogia clássica o foi. Também nós sentimos o efeito da nostalgia. As novas personagens são boas, mas não fazem esquecer Short Round, Marion ou o pai de Indy. Ainda assim, Mads Mikkelsen no papel de vilão principal proporciona alguns dos bons momentos do filme quando nos faz questionar a moralidade de certas decisões relacionadas com a manipulação do tempo e Phoebe Waller-Bridge – que vê em Indy uma espécie de figura paternal – é uma competente parceira principalmente nas cenas de ação ou quando é utilizada para avançar a trama. O que acontece no terceiro ato é algo nunca visto na saga, surpreendendo qualquer espetador. É também aquilo que eleva o filme para uma conclusão ainda mais digna desta saga, pois resulta bastante bem tanto a nível da mensagem principal, quanto a nível do que vemos em cena.

Ao 5º filme, Indiana Jones apresenta as marcas do tempo e não as tenta esconder. Mangold não é Spielberg e filma a ação de um modo menos entusiasmante e divertido, mas tem em mãos um consistente guião, com grandiosas cenas e com notas fortes a serem tocadas a nível temático. Não está ao nível da trilogia original e senti a falta do Indy convencido do passado, mas entretém, tem a coragem de ir, no terceiro ato, a terrenos nunca explorados e é uma digna despedida para Harrison Ford neste papel.


Indiana Jones and the Dial of Destiny
Indiana Jones e o Marcador do Destino

ANO: 2023

PAÍS: EUA

DURAÇÃO: 154 minutos

REALIZAÇÃO: James Mangold

ELENCO: Harrison Ford; Phoebe Waller-Bridge; Antonio Banderas; Karen Allen; John Rhys-Davies; Toby Jones; Boyd Holbrook; Mads Mikkelsen

+INFO: IMDb

Indiana Jones and the Dial of Destiny

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