In the Heights fica perto da excelência no género, mas falha onde não se esperava

A minha sensibilidade para com musicais tem mudado ao longo dos anos. Se, numa fase precoce da minha vida, não compreendia o género, mais tarde aprendi a gostar e a apreciar as nuances associadas ao mesmo. É uma forma diferente, mas, por vezes, ainda mais complexa de storytelling, sendo que a fronteira entre o que é cringe e entre o que está no ponto certo é bastante ténue. In the Heights é um dos musicais – ou talvez mesmo O musical – que já vi com mais números musicais consequentes e com menos falas entre os mesmos e, portanto, até estava aqui a receita para que tudo corresse mal ou para que, pelo menos, o filme não conectasse comigo. Felizmente, na generalidade, não foi isso que aconteceu.

Apoiado numa estrutura em que a personagem principal nos vai contando a história recuando no tempo, ficamos mais curiosos para saber onde o filme nos leva. Não é nada de inovador, mas num filme recheado de momentos musicais, esses pequenos momentos de conversação entre Usnavi e quatro crianças numa praia sabem a descanso num ritmo loco. A história gira muito à volta dele e do seu Sueñito, o qual cedo percebemos que é o seu regresso às origens, mas…talvez seja mais do que isso! O filme tem uma interessante e, talvez, inesperada abordagem ao “sonho” nos seus momentos finais, mas isso deixo para vocês descobrirem. Até lá chegarmos, há vários momentos de elevação cinematográfica, sendo por via das atuações, através do guarda-roupa, das coreografias, da edição ou da realização de Jon M. Chu, que mostra que há formas de inovar no género.

Falando em inovação, a história aqui contada é muito diferente do que, habitualmente, nos é mostrado no género. Sim, existe a típica história de amor cliché, com uma estrutura bastante semelhante ao que já vimos antes – duas, de facto! – mas este In the Heights quer ser mais do que isso. A obra é muito mais do que essas ligações amorosas, sendo que o sentimento de comunidade, de pertença a um grupo e a uma cultura (ou a um pote comum de diferentes culturas, sendo mais objetivo) é aqui o mais importante. No geral, a comunidade latina sentir-se-á orgulhosa por ver as suas maiores figuras na tela, com uma grande homenagem a artistas, figuras públicas, à sua música, à sua cultura e às suas comidas, existindo um número musical particularmente inspirado quando todo o bairro se junta, elevando a bandeira do seu país de origem.

Há, claro, também espaço para falar de vários problemas da imigração, passando pela dificuldade dos imigrantes em se sentirem respeitados e vistos da mesma forma (a típica história de “alguém de um diferente estatuto ser confundido com a empregada” está cá), bem como de problemas legais relacionados com a falta de documentação. Aqui destaque para o “miúdo” Gregory Diaz IV no papel de Sonny, dando uma excelente profundidade à ambiguidade vivida pelas segundas, terceiras ou quartas gerações, que sentem como sua casa um local onde nem sequer possuem legalidade para viver.

O filme também resulta bastante bem nas comparações e distinções que faz entre diferentes gerações: Jimmy Smits tem uma grande interpretação no papel do imigrante que quer ver nos filhos refletidos os seus sonhos, procurando que a vida lhes dê tudo o que dela ele tem abdicado; e Olga Merediz é exemplar no papel da Abuelita de todo o bairro, mostrando as conexões que vão além da família, mas também sendo a protagonista de um dos mais emocionantes momentos do filme, quando nos mostra todo o seu trajeto até hoje e as dificuldades passadas pelas primeiras gerações de imigrantes. Nos jovens, além de Anthony Ramos segurar muito bem o papel de Usnavi, dando a ele tudo o que é necessário; a história romântica entre Benny e Nina resulta ainda melhor do que a principal, existindo uma maior química entre as personagens, com várias cenas marcantes (excelentes trabalhos de Corey Hawkins e Leslie Grace, ambos com enorme facilidade em expressar o que o momento pede).

Ainda assim, nem tudo são rosas. Há, na minha opinião, um ligeiro número de músicas em excesso, que poderiam ter sido abdicadas para termos uma maior conexão emocional entre esses momentos. Apesar de o filme não cansar nas suas duas horas e vinte de duração, a verdade é que, por vezes, os segmentos musicais parecem demasiado colados entre si. Também não fiquei particularmente fã dos dotes de atuação (nem musicais, já agora) de Melissa Barrera como Vanessa, parecendo-me uma atuação demasiado forçada em determinados momentos (e acreditem, a história e as contrariedades da personagem davam para brilhar).

O maior problema, no entanto, é que senti problemas de representatividade numa história sobre representatividade. Primeiro, na forma como o filme (não) integra o Brasil na sua celebração da comunidade latina, limitando-o ao aparecimento da sua bandeira e a breves referências musicais – sabe-se que o país tem a particularidade de falar uma língua diferente dos demais, no entanto, é o maior país da America do Sul e merecia um maior destaque. Mas, infelizmente, os problemas de representatividade não se limitam a isso. A comunidade negra latina pode ficar satisfeita por ver um dos pares românticos ganhar um destaque praticamente similar ao principal na história, mas mesmo aí, a verdade é que Corey Hawkins não é latino e Leslie Grace está longe de representar a tonalidade mais escura que uma afro-latina pode ter, vendo ainda algumas das suas características (como o cabelo) serem tornadas…mais brancas. Perdeu-se uma grande oportunidade para se falar do que essa “comunidade dentro da comunidade” sofre, dos seus problemas e de como são vistos por outros latinos (não teria sido positivo termos tido um cabelo afro natural num dos papeís principais – mesmo que fosse Leslie Grace – e alguma tensão relacionada com essa escolha, por exemplo?).

Ainda assim, a força do que vimos é tanta que temos tendência a esquecer tudo o que o filme também esqueceu. In the Heights funciona (na generalidade) como uma homenagem ao pote de identidades e culturas latinas, em especial a todos aqueles que se encontram espalhados pelo mundo. Teria resultado ainda melhor com menos 3 ou 4 músicas e se tivesse dado maior destaque à importância e problemas de determinados grupos nestas comunidades, mas é um musical que faz diferente do habitual, cumprindo com distinção nos aspetos técnicos, sendo ainda suportado por excelentes interpretações.


In the Heights
Ao Ritmo de Washington Heights

ANO: 2021

PAÍS: EUA

DURAÇÃO: 143 minutos

REALIZAÇÃO: Jon M. Chu

ELENCO: Anthony Ramos, Corey Hawkins, Leslie Grace, Melissa Barrera, Olga Merediz, Jimmy Smits

+INFO: IMDb

In the Heights

Previous ArticleNext Article

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *