Kanye West é uma personalidade da cultura popular mundial que entrou pela música e tem constantemente irrompido por muitas áreas a bem, por bem de muitos e a mal, menos bem para si. Esta é a sua história de origem na terceira pessoa dum semi-ausente-próximo sujeito do singular desde um pretérito que Ye sempre acreditou perfeito até ao presente tumultuoso que lhe convém.
Sou admirador do artista Kanye West. Sou empático para com a pessoa Kanye West. Serei anormalmente flexível com a entidade Kanye West? No cômputo geral das coisas, a interrogação é completamente irrelevante pois Kanye é um produtor de coisas e eu faço parte da camada que consome essas coisas. E estou perfeitamente em paz com isso. Afinal de contas se Kanye West, de alguma forma, peso ou medida foi/fosse/for o compasso moral ou ético de como vivo a minha vida, já muito correu mal no meu caminho para me rever em tal suporte.
Posta esta colocação introdutória, entendo que Kanye possa ser um artista, uma pessoa, uma entidade, um compasso, um barómetro para muita gente. O negativo de as pessoas o encararem assim vem da adopção do culto da personalidade como algo normal, ou até mais perigoso, algo que é suposto. O positivo dessa abordagem é que, de facto, somados e subtraídos todos os dados, mesmo com os noves fora, Kanye não é um agente da desgraça, um ser maligno que visa a destruição da humanidade e que, em última instância se deve extrair o que considero o que faz de Kanye fundamentalmente ser Kanye: não podem calar o pensamento livre.
Invariavelmente Kanye West incomodou e incomoda muita gente, principalmente pelo que diz. Muita dessa falta de empatia e incómodo advirão, decerto, da incompreensão à queima-roupa da mensagem que o Yeezy tenta transmitir ao máximo no mesmo único fôlego que a hasta pública lhe permita, sobre diversas pastas de assuntos anotados como problemas e com soluções, isto porque ténis e roupas não são bons para comunicar ideias e a música tem vindo a sofrer oscilações, pela variedade de projectos em que o senhor tem a mão e o seu dia ainda é igual ao meu, de 24 horas.
Este documentário ou biografia tem como principal objectivo, mostrar os bastidores de como opera um génio desde a altura em que não era ninguém até ser quem é. Cumpre bem essa função, com exposição cuidada das engrenagens das máquinas em que Ye está envolvido e invariavelmente humaniza Kanye, que, pela força da fama, se afasta/é afastado do plano de existência dos comuns cidadãos, abusando dessa humanização a ponto de, perto do fim do documentário, capitular por auxílio meio plástico para com Kanye que “não anda bem, não está bem e precisa que lhe estendam a mão porque ele inspira muita gente”.
A estrutura narrativa conferida à cronologia de evolução do artista é o melhor componente nesta minissérie de três episódios de onde se montou um resultado baseado em mais de 7 horas de imagens recolhidas em diversas fases da vida e carreira de West.
Acto I:
Assistimos ao fim da adolescência do fenómeno da produção musical, à resiliência e vontade em singrar acima das expectativas que o rotulavam e aprisionavam ao que ele considerava de menos como produtor e à primeira grande vitória: o contrato com a discográfica. Já se vislumbra o mastodôntico portento de talento e irreverência nestes passos de bebé do jovem Kanye West onde, humilde, comedida e sensatamente emana a crença inabalável de quem tem destinadas grandes coisas, mas que nem aqueles que se alimentam, parasítica ou saudavelmente, dessa influência têm plena noção ou credo.
Acto II:
Kanye tem a sua primeira grande adversidade nesta jornada do herói: o acidente de carro que quase lhe tirou a vida e nos privou do seu contributo artístico. Aqui, Kanye teve de adicionar mais uma camada de calo de tenacidade quando se apercebe que um passo à frente não permanece um passo à frente na indústria da música. A vida morde-lhe forte com a mesma força que rebentou o maxilar ao volante e aqui também entende que o ímpeto e popularidade são um incontornável “apesar” da qualidade excelsa da sua música ainda por lançar no primeiro álbum em produção. Kanye reforça as suas convicções do que precisa ser feito para suportar e prosseguir na sua visão.
Acto III:
Kanye, no topo do mundo e com nada que o pare sofre a sua maior perda, ainda mais que a potencial perda da vida em Los Angeles. Donda West morreu. A sua pedra-basilar, a viga de sustentação do caótico criativo, a nuvem balsâmica de chuva que acalma o vulcão em constante ameaça de erupção, a mãe, amiga, confidente, empoderadora, agente e gestora de Kanye West morreu. Neste acto em particular fica muito por dizer e, como a perspectiva de análise do sujeito não é em primeira pessoa, o mesmo não prestou impressões ou declarações suas ou dos membros mais próximos da sua lidação, de como que carga d’água Kanye lidou ou tem vindo a lidar com esta perda e de onde se sustenta agora para continuar na sua missão de criar, que entendo que sustente a sua visão maior de libertar, liderando pelo exemplo.
Kanye daria para que esta crítica se tornasse num livro de conjecturas, expeculações, explicações, relativizações e julgamentos sobre o que este documentário me mostrou. Adicionando a anos e anos de entrevistas do sujeito em análise, percepções de pessoas que lidaram com ele e da própria percepção que eu tive e tenho da pessoa, também e muito importante a análise da sua melhor expressão: a sua música.
Com muitas das barras que gravou nas horas de música incrível que fez para si e outros disse-me, a mim, o espectador a barra mais pesada que ainda não gravou: “Eu uso a minha voz e não irei não usar a minha voz porque a minha voz é ainda mais poderosa que as minhas finanças. Assim eles não podem controlar-me pelas minhas finanças.”
Kanye, cuida-te porque és necessário, porque mesmo que nunca te conheça verdadeiramente, já deste a ensinar muito mais do que o mundo está preparado para aprender.