É absolutamente incrível pensar em como tudo isto começou e até onde esta saga chegou! Parece que foi ontem que vi, sem qualquer pretensiosismo, e sem qualquer tipo de informação adicional como resumos ou trailers, o filme de um homem que decide vingar-se da morte do seu cão, a última prenda da sua falecida esposa. Três filmes e nove anos depois, “John Wick 4” chegou aos cinemas e alcançou o inabalável estatuto de melhor filme da saga. E o mais incrível é ver o aumento gradual de toda a mitologia que envolve esta saga. Aquilo que era uma simples vingança transformou-se num universo enorme de sociedades assassinas, recheado de tudo e mais alguma coisa.
O quarto filme da saga mostra John (Keanu Reeves) como um inimigo público da High Table, a irmandade que comanda as várias sociedades de assassinos espalhadas pelo globo. O assassino vai ter de fazer possíveis e impossíveis para sobreviver, matar centenas de pessoas pelo caminho, e, quem sabe, voltar a ter uma vida comum.
Tal como vemos nas imagens publicitárias do filme, a ampulheta é uma hipérbole para aquilo que vemos no filme: tempo. O filme que procura sempre fazer, e ser, mais e melhor que os antecessores, consegue a proeza de ser também o filme mais longo dos quatro. 169 minutos. Quase três horas de filme… Não sou fã, e começo a ficar enjoado de filmes tão longos. Mas este filme faz questão de nunca nos deixar aborrecidos. Pelo contrário. Até nos deixa com falta de ar. São tantas lutas, tantos tiros, tantas mortes, que só nos fazem perguntar quando será o fim. E de facto as cenas de acção tão longas, que são imagem de marca da saga, mas que aqui alcançam patamares ridículos por serem tantas de seguida, são a minha maior critica ao filme. Isso e os exageros. Mas não posso criticar algo que me dei ao luxo de permitir aceitar e gostar nos filmes anteriores…
Stahelski mostra claramente, em tudo aquilo que faz, a sua paixão pelo universo que criou. Ele mostra que falar de sociedades secretas de assassinos, hoje em dia, pode ser mais divertido que falar de super-heróis. E é graças a isso que a saga avança, ainda que lentamente, para a frente. Não se prende apenas às suas fantásticas cenas de acção, nem deixa que a história dos filmes se torne repetitiva e ande em círculos. E isso é fundamental para que as pessoas continuem a consumir este tipo de produto e continuem a ir ao cinema, como provam os resultados de bilheteira nos primeiros dias após a estreia do filme.
E se a saga já sabia criar bons antagonistas, daqueles que nos lembram os vilões de James Bond, este filme eleva a fasquia. Donnie Yen (Caine) e Bill Skarsgard (Marquês) são tão particulares que me fizeram esquecer todos os antagonistas dos filmes anteriores. Deixo apenas uma leve critica ao sotaque do Marquês, e aos momentos mais awkward de Caine, que eu esperava ser mais acertivo como Daredevil. E já que falo em vilões, não posso deixar de referir os personagens secundários: Lance Reddick (Charon), Ian McShane (Winston), Laurence Fishburne (King), Hiroyuki Sanada (Shimazu), Rina Sawayama (Akira), Shamier Anderson (Nobody), e Scott Adkins (Killa). Charon manteve a sua lealdade até à última despedida, Winston continua a mostrar ter mais camadas que uma cebola, King tem uma participação menor mas que aumenta o seu característico egocentrismo, Shimazu tem uma participação que podia facilmente ter sido cortada (Se não fosse a cena pós-créditos) mas que adiciona um diálogo extremamente profundo que impactou o restante filme, Akira também é uma personagem muito bem caracterizada com traços únicos que podem vir a dar frutos no futuro, Nobody é provavelmente o melhor personagem secundário de toda a saga e aquele a quem eu facilmente atribuiria um spin-off sem pensar duas vezes, e por último, mas não menos importante, Killa tem uma caracterização de meter inveja ao Brendan Fraser em Whale, fechando o lote de vilões carismáticos. O senhor imortal que serve lealmente o Marquês foi deixado de fora de propósito. Afinal ele vai contra tudo o que eu disse. Ele é “só mais um vilão” idêntico aos dos filmes anteriores…
O filme continua a surpreender no que toca a cenas de acção. Tem das cenas mais espectaculares da saga, e do cinema de acção no geral. Com especial destaque para a sequência dentro de uma casa com a câmara posicionada num lugar improvável, uma cena de tirar o fôlego, e digna de nos levantarmos e batermos palmas em pleno cinema.
É de facto uma pena saber que a saga, aparentemente, está a chegar ao fim. Porque hoje em dia são poucos os filmes de acção que conseguem ser tão claustrofóbicos, engraçados, e com uma mitologia tão interessante e única. Alegra-me o facto de ouvir rumores sobre uma série do Continental, um filme sobre a assassina dos Ruska Roma, “Ballerina”, e um possível filme sobre Akira e a sua vingança. Isso e a cena final de John Wick 4…