A cena inicial de Kill Boksoon é fascinante. O estilo. A boa e até bem-humorada luta. A interessante perspetiva de predição dentro da cabeça da nossa personagem principal. E a apresentação de uma protagonista que foge em muito aos padrões habituais de estrela de ação.
Comecemos por aí. Jeon Do-yeon é uma consagrada atriz sul-coreana, mais do que experiente noutro tipo de filmes. Já a vimos bilhar em dramas e thrillers, até em comédias e filmes românticos. No entanto, vê-la, aos seus 50 anos, a ser a estrela de um filme de ação é refrescante. É algo novo, mas algo que ao mesmo tempo parece “certo”. Este é, sem qualquer dúvida, o papel que mais dela exigiu fisicamente, mas a atriz não se fez rogada e mostrou estar bem à altura das expectativas, com excelentes lutas coreografadas ao melhor estilo John Wick. Nesta história ela é Gil Bok-soon, uma assassina profissional. Já chegou à elite dos quadros da sua organização e por todos é respeitada, embora, claro, isso traga consigo sempre alguns inimigos. A maior pedra que tem no sapato é Cha Min-hee (Esom), alguém que é nada mais, nada menos do que a irmã mais nova do responsável máximo da organização criminosa, Cha Min-kyu (Sol Kyung-gu). Acontece que Min-kyu é alguém muito próximo de Bok-soon. Foi ele que a trouxe para a organização e, ao longo dos anos, viu-a crescer, assumindo sempre uma espécie de papel paternal para com ela. Por essa razão, ele acaba sempre por tentar ver o lado positivo das ações da assassina profissional, mesmo que a irmã do próprio o tente sempre “envenenar” com intrigas e boatos. Mas até onde é que esta relação será sustentável?
Essa é apenas uma das histórias principais deste filme. Mas há mais. A relação entre Bok-soon e a sua filha, Gil Jae-young (Kim Si-a), é outro dos destaques. É que Bok-soon é praticamente perfeita no seu trabalho como assassina. Ela persegue, ela luta, ela mata com uma uma precisão e confiança inabalável. No entanto, quando o assunto é cuidar da sua filha adolescente, o caso muda de figura. Como é habitual numa adolescente, Jae-young está-se a descobrir. A descobrir o que são as amizades, a descobrir o que é o amor, a descobrir quem ela é e tambem a descobrir…quem a mãe é. As suas emoções são muitas vezes levadas ao limite e nem sempre faz a coisa certa, a coisa que é suposto fazer. Bok-soon tem dificuldades em lidar com isso. Sendo alguém que profissionalmente segue uma linha muito metódica, é-lhe difícil fugir a isso quando tem que lidar com emoções e com narrativas que fogem ao guião da vida. Ainda a juntar a estas duas linhas narrativas, temos a relação que Bok-soon tem com Han Hee-sung (Koo Kyo-hwan) – seu colega frustrado por ainda não ter chegado ao topo da organização – onde muitas vezes parece uma relação normal entre tantos colegas de trabalho (ou até…algo mais), mas onde há várias nuances que tornam tudo muito especial e até frágil.
É muito o que este filme tenta fazer e esse é o seu maior pecado. Assistimos a um filme de duas horas e 17 minutos que nunca aborrece e tem um bom ritmo, mas que dava perfeitamente para ter sido dividido em dois. Dessa forma teríamos tido a oportunidade de explorar muito mais todas estas relações, proporcionando com isso um maior impacto emocional. O último ato é excelente, há revelações que nos deixam de queixo caído, cenas bastante bem construídas e uma ação sempre entusiasmante. Apenas gostava que o caminho até aí tivesse sido feito de um modo diferente, mais ponderado para que tudo isso viesse a ter um maior impacto. O lado positivo é que isto – como está – continua a valer bem a pena, deixando ainda muitas portas abertas para explorar caso se queira aprofundar este mundo no futuro. Um mundo onde os assassinos são bem mais do que assassinos. Um mundo onde o balanço vida-trabalho é ainda bem mais difícil do que para a maioria de nós.
Kill Boksoon tenta trabalhar com muito tanto a nível narrativo quanto temático, sendo que na primeira hora tem dificuldades em perceber as suas maiores forças. Eleva o nível quando há um dispositivo narrativo a meio do filme que junta todas as peças culminando num incrível ato final. Cheio de estilo, boa ação e uma excelente personagem principal, é um filme que nunca aborrece.