Há muitas coisas que resultam em Licorice Pizza, mas é difícil fugir da principal: o seu charme. É um filme confiante, um filme que acredita na história que está a contar, nos seus pontos fortes, tendo também tem consciência dos seus pontos fracos. E os tem. Mas já lá vamos…
Escrito e realizado por um dos grandes nomes de Hollywood, Paul Thomas Anderson (PTA), Licorice Pizza fala-nos de uma história de amizade e de algo mais do que isso. E aqui as coisas complicam porque… uma das personagens é adulta – numa circunstância afirma ter 28, noutra 25, mas seguramente mais do que deveria ter para nos deixar totalmente confortáveis – e a outra tem 15 anos. Talvez o facto não esteja sempre a dar-nos uma chapada na cara porque a mais velha é Alana, interpretado por Alana Haim, e ela é a que é “perseguida” pelo adolescente Gary, interpretado por Cooper Hoffman. De qualquer forma, e ainda que Gary pareça ter bem mais do que os seus 15 anos, existem certos momentos de desconforto para as personagens e também para quem assiste. O próprio criador tem consciência disso e algumas vezes inclui referências a essa diferença de idades e à forma como Alana se sente confusa e desconfortável com toda a situação, sem nunca, no entanto, explorar o conflito de forma aprofundada.
Falando em concreto do filme, PTA é um escritor e realizador bastante dotado. Ele demonstra-o em cada diálogo, em cada cena. Diálogos que nas mãos de outros autores poderiam parecer infantis e banais (sim, Gary passa uma boa parte do tempo a pedir para ver as mamas de Alana…), com ele ganham uma nova dimensão. Cenas que seriam filmadas de um modo bastante genérico, Anderson transforma-as em momentos únicos. Como por exemplo, a cena onde Gary vai parar à esquadra da polícia e é visto por Alana. A maioria dos realizadores seriam diretos, optando por uma abordagem simples, variando os planos entre os intervenientes. Anderson usa os espelhos para criar algo especial, não só a colocar tudo o necessário, em simultâneo, no ecrã, mas também para nos colocar no mesmo plano como se estivéssemos lá, no centro da ação. Todos os aspetos técnicos estão também à altura da obra. Confesso que me senti atraído pela fotografia e design de produção que nos coloca imediatamente na era em causa, tendo um brilho ensolarado que nos transporta de imediato para o nosso interior mais nostálgico. A banda sonora também marca a diferença com um conjunto de músicas enérgicas e bastante bem enquadradas com o que se passa em cena.
As atuações são sempre um fator fundamental nas obras de Anderson e aqui voltam a não desiludir. Se Cooper Hoffman cumpre bem o papel de jovem imaturo, atrevido e ambicioso, Alana Haim é a verdadeira estrela do filme, com uma prestação com bastantes nuances, expondo as suas dúvidas e medos interiores. Grande nota de destaque também para os cameos. De um Bradley Cooper que parece sob efeitos de speed, a um Sean Penn a viver um personagem que confunde a sua faceta de ator com a realidade, passando por outros nossos conhecidos, como Tom Waits, Benny Safdie ou John Michael Higgins, todos com personagens únicas, dando-nos alguns dos momentos mais cómicos da obra. O problema de Licorice Pizza é que esses cameos e essas histórias paralelas estão cá apenas para disfarçar tudo o que falta à história principal, que tem pouco sumo para ser espremido. Anderson percebeu isso e resolveu preencher todo o filme com excêntricas personagens e cenas memoráveis, sem aparente ligação entre elas ou até razão para existir, pouco sustentando o plot principal.
Licorice Pizza é um filme que merece ser visto e várias das suas cenas serão para sempre relembradas. Paul Thomas Anderson é um excelente escritor e talentoso realizador e tem aqui a ajuda de atores em grande forma. Ainda assim, muito do que deveria ser acessório – – e que resulta! – parece estar cá apenas para camuflar uma história principal limitada que pouco faz para explorar a sua conflituosidade.