A elogiada antologia de curta-metragens criada por Tim Miller (Deadpool) e David Fincher (Zodiac), Love, Death & Robots, recebe seu terceiro volume em 2022. Com um total de nove filmes, LD&R segue a estratégia do seu segundo ano, apostando na qualidade em detrimento da quantidade.
Love, Death & Robots foi um sucesso instantâneo e é seguro dizer que seu primeiro volume foi o que mais empolgou o público. O maior número de curtas – dezoito, ao total – não só possibilitava uma maior variedade de abordagens visuais, temáticas e narrativas, como mantinha viva a divertida ansiedade que nos deixava pensando “o que me espera a seguir?” ao final de cada filme por tempo suficiente para garantir um “estou satisfeito” ao fim de tudo.
Em seu segundo volume, a antologia foi mais econômica, apresentando dez curtas a menos que seu volume anterior. Sim, o segundo ano da série empolga menos e deixa um inevitável gostinho de quero mais, mas o nível de qualidade se mantém mais equilibrado desta vez, tendo apenas um episódio realmente fraco, enquanto o primeiro ano sofria com muitos baixos e poucos curtas realmente bons.
E agora, em seu terceiro volume, LD&R impressiona com uma excelente seleção de curtas que, mesmo em seu episódio mais fraco, tem sucesso em nos manter atentos e intrigados a todo momento. E, mesmo trazendo de volta universos do primeiro volume, a antologia satisfaz com sua sempre presente e vivíssima criatividade.
Assim, cada vez mais, fica evidente o verdadeiro trunfo da série: a variedade de mentes criativas por trás de cada filme. Diferente de outras séries, LD&R não corre o risco de cair na mesmice, ou se perder por pressão de um estúdio que detesta a ideia de encerrar o projeto enquanto ele ainda está por cima, extraindo dele muito mais do que realmente tem a oferecer. LD&R aposta em diferentes ideias de diferentes equipes para trazer à vida seu projeto, garantindo uma enorme diversidade de filmes, um mais criativo que o outro, todos únicos em suas diferentes propostas.
Portanto, acredito que cada exemplar dessa antologia mereça um espaço neste texto. Sigamos com breves comentários sobre os curtas.
Three Robots: Exit Strategies (Os Três Robôs)
Os três divertidos robôs da primeira temporada estão de volta! Seguindo sua viagem pela devastada terra dos humanos, o trio analisa as frustradas tentativas dos terráqueos de sobreviver à revolução das máquinas.
Com muito humor, o curta satiriza diversos vieses do comportamento humano. Desde a obsessão pela segurança e sobrevivência dos armamentistas, até a soberba da elite que pensa ser intocável e inalcançável em seu olimpo conquistado com poder capital.
Sendo assim, como no primeiro volume, o carismático trio de viajantes garante o mais simpático dos filmes dessa temporada.
Bad Travelling (Viagem Ruim)
O ponto alto da temporada!
Com um visual deslumbrante que mistura fotorealismo com personagens de fisionomias cartunescas, Bad Travelling é sombrio, pessimista e muito violento. Temos aqui um conto sobre os limites alcançados pelos humanos em nome da sobrevivência. O tom de desconfiança e individualismo é orquestrado com maestria e não surpreende ao revelar, nos créditos finais, se tratar de uma realização de um dos pais do projeto: David Fincher.
Simplesmente incrível!
The Very Pulse of The Machine (O Mesmo Pulso da Máquina)
Uma bela experiência sensorial conduzida por lindos visuais coloridos e uma banda sonora hipnotizante! The Very Pulse of The Machine conquista pela sensibilidade e poesia ao abordar o complexo tema do existencialismo. É difícil não fazer paralelos desse curta com a obra prima da animação oriental, Neon Genesis Evangelion.
O único defeito desse filme é abandonar, na reta final, o seu belíssimo texto para dar espaço a linhas de diálogo seguras e expositivas. É uma pena, mas não chega a interferir no resultado final desse lindo curta.
Night of The Minidead (Noite dos Minimortos)
Night of The Minidead parodia o título do clássico de terror, Night of The Living Dead, de George Romero, e conta, de maneira muito humorada, o desespero da humanidade perante um apocalipse zumbi. Como divindades, observamos de longe pequenos seres humanos em desespero, correndo e gritando em maquetes tomadas por mortos vivos que levam caos e destruição por onde passam, garantindo a nós, distantes de quaisquer conflitos que tais seres insignificantes possam enfrentar, muita diversão!
Kill Team Kill (Matança em Grupo)
Disparado o mais fraco curta do terceiro volume, Kill Team Kill é besta e juvenil. Entupido de testosterona, glorificação à armas de fogo e piadas sobre pênis, este episódio só se salva pela sua frenética e fluidíssima animação. O humor é chato, os personagens são insuportáveis e seu encerramento é sem graça.
PRÓXIMO!
Swarm (Enxame)
Esta envolvente trama sobre o comportamento destrutivo da humanidade é conduzida com muita sensualidade. Toda a tensão sexual gerada pela química das duas personagens que conduzem o enredo e a suavidade dos movimentos orquestrados pela realização tentam, a todo momento, nos seduzir e nos fazer acreditar que o objetivo de exploração de trabalho alienígena do protagonista é nobre. Mas, com o decorrer da história, vemos com clareza as reais consequências que a soberba e ganância proporcionam tanto para a vítima da exploração, que tem sua força de trabalho roubada, quanto para o explorador, que acaba por se corromper.
Mason’s Rats (Ratos de Mason)
Pense no clássico da literatura, A Revolução dos Bichos, de George Orwell, mas deixe um pouco de lado a sátira ao totalitarismo, e adicione críticas à indústria da guerra e conflitos gerados por divergências de culturas e interesses, e nós temos Mason’s Rats! Ah, claro, não se pode esquecer da chuva de sangue e entranhas voando para todos os lados. A cereja do bolo que faz desse filme uma obra divertidíssima!
In Vaulted Halls Entombed (Sepultados na Caverna)
Começamos mal com um bando de soldados trocando diálogos insuportavelmente sofríveis, mas, à medida que a ameaça cresce e as personagens vão morrendo, a qualidade do filme sobe e nos vemos imersos numa atmosfera opressora de bizarrice e desconforto causados pelo horror do desconhecido. Claramente inspirado pela obra de H.P. Lovecraft, In Vaulted Halls Entombed é bizarro e positivamente perturbador.
Jibaro (Fazendeiro)
Jibaro aposta no desconforto, fazendo uso de uma identidade visual que não sabe onde se encontra entre o live-action e a animação, ficando presa no famigerado vale da estranheza. Usa também de um design de som esquisitíssimo, criando um caos sonoro que faz todo sentido com o criativo plot do curta.
Numa dança de raiva, desespero, atração e ganância, Jibaro apresenta em tela uma rica experiência audiovisual de luta entre o homem e a natureza. Excelente!
Com isso, LD&R fecha muito bem seu terceiro volume, tornando impossível a missão de não se empolgar com o que a antologia da Netflix guarda para o futuro. Portanto, a série mostra estar em plena forma e demonstra ter fôlego para manter-se em alta por mais muitos anos. Futuros distópicos; aventuras espaciais; comédias bestas; pessimismo; violência. Há muito potencial na proposta de LD&R e o sucesso parece estar certo. O que nos resta é torcer para que mantenham-se fiéis à sua essência e continuem a apostar na diversidade criativa e na originalidade das histórias que querem contar.