Luther é uma série da qual muitos de nós guardamos boas recordações. O céu cinzento e tempo chuvoso de Londres pode nem sempre ser o cenário mais agradável do mundo, mas é perfeito para uma série sombria, sem medo de chocar, com assassinos carismáticos, boas interpretações e uma excelente personagem principal, tão cinzenta quanto o poderia ser. Idris Elba é Luther e não imagino nada diferente. Mas também não imaginava um filme disto e ele está aí.
Sendo uma produção Netflix, a verdade é que muitas vezes parece que estamos a ver uma versão expandida em termos de escala e orçamento do que seria uma temporada televisiva. Talvez até porque quem assume a realização é Jamie Payne, alguém muito habituado a séries televisivas. Com menos tempo para explorar algumas subtramas é certo, mas ainda assim não se afastando muito da sua identidade televisiva, para o bem e para o mal. O jogo do gato e do rato entre detetives e homícidas já foi mostrado uma enorme quantidade de vezes em produtos cinematográficos ou televisivos e, portanto, muito do que aqui vemos não surpreende. Ainda assim, Luther tem dois grandes trunfos nas mangas.
Um deles é, sem surpresa, os atores e as suas personagens. Elba é um Luther agora ainda mais amargurado por crimes não resolvidos, ainda mais insatisfeito com o que sente que pode dar e que não lhe é permitido. É um Luther mais ponderado – embora, claro, fazendo sempre o que não deve -, sendo visíveis as marcas do tempo. É uma prestação muito adulta de Elba que nunca cai em exageros estilísticos e retira o melhor deste material, mesmo quando passa de detetive a prisioneiro! O vilão não é o melhor que Luther já nos deu – Alice Morgan é uma das melhores coisas da história da televisão – mas é assustador e bem interpretado. Nas mão de Andy Serkis, David Robey é um ser enigmático mas também nojento e detestável. Isso só nos é transposto porque Serkis dá a ele exatamente o necessário, mesmo que por vezes gostássemos de saber mais sobre o mesmo. A personagem – e a trama – faz um bom mas assustador uso das novas tecnologias, ou melhor, daquilo que fazemos com as mesmas e aquilo que outros podem saber sobre nós através das mesmas e isso é importante para os tempos que correm. Além do carismático regresso de Dermot Crowley como Martin Schenk, temos uma nova personagem na detetive Odette Raine, que é interpretada por Cynthia Erivo, uma atriz que entrega tudo o que tem para entregar aos seus papéis e sendo um bom contraponto para muito do que Luther faz de errado…ou, pelo menos, não de acordo com a lei.
O outro grande trunfo de Luther está nos seus set pieces, ou seja, a forma como envolve o enredo e o cenário para nos dar algumas marcantes e bastante bem conseguidas cenas. Isto acontece numa grandiosa e bem executada cena de revolta na prisão e consequente fuga. Isto acontece quando a famosa praça Piccadilly Circus é parada pelo assassino e pelas vítimas que este chantageia. E tal volta a acontecer no terceiro ato, numa localização distante, no gelo, com um cenário que pode ser descrito como o de um James Bond mais sombrio e mais crú.
Nem tudo é perfeito a nível narrativo. Por vezes, somos obrigados a acreditar em ocorrências pouco credíveis ou demasiado coincidentes. Esse salto de crença para o abismo que temos que dar para que não percamos o interesse pela história é algo, na verdade, muito comum em Luther, vindo já dos seus tempos televisivos. No entanto, aqui por ser um formato mais curto, as coisas que ficam por explicar ainda ganham uma maior importância pois não haverá forma de voltar a elas. A previsibilidade é também um problema – embora menor – principalmente no que concerne à história principal, se bem que por vezes nos consiga surpreender em aspetos que a suportam.
De um modo geral, este é um regresso bem-vindo de Luther. Para o bem e para o mal tem todos os traços que já bem conhecemos da série. Abusa das coincidências para a resolução de alguns problemas, mas também dá-nos o tom sombrio e violento característico com excelentes set pieces. Elba, Serkis e Erivo elevam o material que é relevante para os tempos que correm.