Malignant e a coragem de Wan

Começo esta review com um aviso: NADA aqui é normal e será detestado por fãs habituados ao terror mais comercial. 2/3 do filme são uma homenagem aos filmes giallo de décadas passadas, podendo até cair na paródia, entrando em terrenos claramente camp. O último ato é um body horror maluco e alucinante, com Wan a transformar-se num Cronenberg sob o efeito de esteróides. Vão de mente bem aberta e tentem fechar a boca durante o inesperado clímax!

James Wan criou Saw, The Conjuring e Insidious. Por si só, isto já diz mais do que o suficiente acerca de um dos realizadores mais influentes do género na atualidade. Mas não se ficou por aí. Com incursões por mega-produçoes como Furious 7 ou Aquaman, tem tido em sua posse grandes orçamentos e margem para se reinventar e brincar um bocadinho. Decidiu agora regressar ao género que o revelou ao mundo e parece fazer tudo aquilo que um dia quis fazer.

Sabem quando um amigo diz que paga todas as rodadas da noite e nós bebemos sem parar, sem controlo nem limites? Esse é James Wan aqui. Conseguem imaginar Jeff Bezos a deixar cair o seu cartão bancário com os códigos e terem acesso à sua conta bancária? Esse é James Wan em Malignant. Usando tudo a que tem direito sem se importar com o dia de amanhã.

Depois de uma misteriosa introdução – onde vemos várias enfermeiras a ser mortas e pecebemos que temos que “remover o cancro” – o filme leva-nos logo a ação para Madison, personagem principal bastante bem interpretada por Annabelle Wallis, que após sofrer um episódio de violência doméstica, começa a ter estranhas visões de assassinatos que…de facto, acontecem. Estas cenas onde vemos o cenário dos crimes a fundirem-se com o cenário onde Madison se encontra são particularmente inspiradas e dão-nos algumas mortes sensacionais.

Mas mais do que determinadas cenas, o filme destaca-se pelo estilo que celebra. Poderia ser um filme de investigação à lá Se7en, usando uma abordagem mais séria e realista. No entanto, Wan fez Malignant para prestar homenagem a outro subgénero do cinema: os filmes giallo. Estes filmes italianos – maioritariamente lançados nas décadas de 70 e 80 – ficaram conhecidos por serem uma espécie de thrillers/suspenses de terror, onde vários assassinatos eram cometidos – com grande destaque para a importância visual do sangue – e onde seguiamos a ação na cabeça de uma personagem que parecia confusa, mas que tinha também pistas para poder desvendar o mistério, o qual só iria ser revelado na parte final, com um surpreendente desfecho. Outras características comuns eram o diálogo pouco trabalhado, alguma confusão na sua estrutura (com a inclusão de elementos que pouco sentido faziam para o espetador) e uma banda sonora muito própria que nada parecia condizer com o género, mas que resultava! Não era muito comum, mas, por vezes, também tinham elementos sobrenaturais e é mesmo por aí que Wan vai.

Wan não esqueceu, ainda assim, a importância da banda sonora, que é distintiva, aplicando-a no momento certo e aumentando essa sensação de estarmos a ver um verdadeiro giallo. Também aposta, claro, na abordagem visual, deslumbrando com o uso das cores. No entanto, onde brilha mais é no seu à vontade com a câmara, principalmente na utilização de planos em movimento para criar tensão, o que já havíamos visto, por exemplo, em The Conjuring (mais ainda na primeira sequela).

Esta abordagem giallo poderá – irá! – certamente afastar espetadores não habituados ao estilo, que não deverão perceber as referências e que o que parece patético, é, na verdade, propositadamente camp. Um dos pontos fracos do 2° ato – o menos forte do filme – é precisamente quando alguns destes elementos são levados ao extremo, funcionando mais como paródia do que como referência. Senti isto num fugaz e sem sentido flirt entre duas personagens, em algumas exageradas reações na representação de certas personagens ou em algum diálogo pouco inspirado. Tantas referências podem ser distrativas para quem conhece o género e podem fazer com que, quem não conhece, pense que está a ver um filme com pouco sentido.

Malignant, no entanto, reequilibra-se no final. E que reequilíbrio! Muda de género, mas, mais uma vez, não irá agradar a todos. Alguns dirão que a ação nesta parte final é totalmente over-the-top – e é!; outros se questionarão sobre a não explicação do que de paranormal certamente existe. No entanto, ninguém ficará indiferente a um dos mais malucos e inesperados plot twists da história do cinema, seguido de uma carnificina explícita, muito pouco comum num filme de um grande estúdio de Hollywood.

Independentemente de gostarem ou não gostarem dos caminhos tomados – seja quando é um giallo puro; seja quando nos dá uma explicação mirabolante para uma matança sem limites – é impossível não reconhecer a singularidade e originalidade de Malignant. E é por isso impossível não sorrir e bater palmas à coragem de James Wan em trazer esta absurdidade para as salas de cinema mais comerciais, sabendo que irá chocar muita gente, desagradar a tantas outras e confundir muitas mais. Em bom português: é preciso bolas!

Já agora o que eu achei do absolutamente maluco 3° ato? Adivinharam: adorei e irei rever várias vezes!


Malignant
Maligno

ANO: 2021

PAÍS: EUA; China

DURAÇÃO: 111 minutos

REALIZAÇÃO: James Wan

ELENCO: Annabelle Wallis; Maddie Hasson; George Young; Michole Briana White

+INFO: IMDb

Malignant

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