Com Ex Machina (Ex Machina: Instinto Artificial), o realizador e argumentista Alex Garland mostrou a que veio ao apresentar uma das mais aclamadas ficções científicas dos últimos anos. Em seu segundo filme, Annihilation (Aniquilação), voltou a se aventurar pelo mesmo gênero e entregou ao mundo uma incrível experiência visual e sonora, pavimentada por um argumento enigmático que flerta com o terror. Agora, com Men, seu terceiro e mais recente filme, Garland mergulha de vez nas águas do terror, e demonstra não ter medo de desagradar com subjetivismo e repulsa.
Tudo bem que, diferentemente de Annihilation, Men traz analogias e floreios narrativos mais óbvios, que chegam até o público de maneira mais direta, até mesmo, algumas vezes, através de diálogos mais expositivos. Mas, apesar do filme não apresentar um enredo tão complexo quanto parece ter em um primeiro momento, passa longe de fazer como, por exemplo, o filme Mother! (Mãe!), De Darren Aronofsky, que complica sem necessidade o argumento, enchendo a trama de referências bíblicas bestas e exagerando na tensão, o que resulta em um desgastante tédio, que mira no brilhantismo da alta arte, e acerta numa egotrip insuportável. Muito pelo contrário. Garland se mantém fiel ao tom de estranheza que sugere nos instantes iniciais de sua obra, e cria uma narrativa sincera, que faz uso de analogias grotescas e ameaçadoras no intuito de gerar tensão, medo e curiosidade. Ou seja, a intenção parece ser genuína, uma vez que o texto prioriza atrair e chocar através da bizarrice, e não enaltecer a inteligência de quem o escreve.
Sendo assim, bizarro é o adjetivo certo para se descrever Men. E, sem dúvidas, os principais responsáveis por fazerem desse filme tão esquisito, são os diversos papéis vividos por Rory Kinnear. Em uma atuação que evita o naturalismo e opta por um estilo mais artificial, quase teatral, Kinnear cria, junto de Garland, personagens extremamente maneiristas que, inevitavelmente, se desprendem do mundo que habitam e se destacam do texto/imagem em que são apresentados. O gentil caipira locador da casa no interior que, apesar de sua educação, parece invasivo e demonstra esconder uma intensidade preocupante; o padre de voz suave com olhar e comportamento maliciosos; o menino mal educado que, com a ajuda do cgi (intencionalmente?) mal resolvido, intriga por carregar rosto e voz de uma pessoa mais velha. A presença dessas, entre outras personas vividas por Kinnear, indicam uma constante sensação de que há algo de muito errado no local que a protagonista, Harper, escolheu como refúgio de férias.
E, por falar na protagonista, temos aqui mais uma excelente atuação de Jessie Buckley, que contrasta muito da interpretação exagerada de Kinnear ao viver a deprimida, porém cheia de vida, Harper Marlowe. Por trás do trauma de uma grande perda, há também a esperança de seguir em frente, e Buckley compreende o estado de espírito da personagem, transitando harmonicamente no turbilhão de emoções chamado Harper. Do encanto com um simples passeio na floresta, ao total desespero de uma situação indescritível: Jessie Buckley mostra brilhantismo dos primeiros takes aos créditos finais do filme.
Infelizmente, não posso discutir o que há de melhor em Men, uma vez que me comprometi em não estragar a experiência de quem ainda não assistiu ao filme. Porém, posso adiantar que Alex Garland cria uma intrigante alegoria audiovisual sobre cultura masculina, e o impacto causado por essa cultura no universo feminino. E para isso, brinca com diferentes vertentes do horror, como o terror psicológico e o body horror, criando uma aura sinistra digna dos melhores terrores cósmicos.
Longe de ser agradável, mesmo para quem sai do filme com uma boa impressão, Men é tão lindo quanto repulsivo. Alex Garland demonstra mais uma vez ser um argumentista e realizador habilidoso e criativo, mas, além disso, afirma sua coragem em apostar em sua originalidade, por mais polêmica que ela possa ser.