Midnight Mass é um estudo de religião, vida e morte

Midnight Mass era uma das séries que eu mais aguardava em 2021. Escrita, produzida e realizada por Mike Flanagan, prometia trazer de volta aquele misto de terror e drama a que o norte-americano nos habituou nas suas obras. Caso não tenham a certeza quem ele é, fica um resumo: na televisão criou The Haunting of Hill House e The Haunting of Bly Manor; no cinema trouxe-nos filmes como Doctor Sleep, Oculus, Hush, Ouija: Original of Evil, Before I Wake e Gerald’s Game. O currículo de Flanagan fala por si e, sabendo que esta minissérie é o seu projeto mais pessoal, misturando demónios e religião, estava desejoso de ver isto.

Na história, um padre chega a uma pequena ilha, bastante isolada do continente, trazendo consigo uma série de fenómenos inexplicáveis, ao mesmo tempo que misteriosas mortes começam a acontecer. So far, so good e os primeiros episódios de Midnight Mass são excelentes para criar a dúvida, o mistério e funcionam exatamente como um slow burn deve funcionar: entrega-nos algo, mas muito pouco, criando a curiosidade para o que está para vir, ao mesmo tempo que permite as personagens crescerem no ecrã. Desde cedo, a obra mostra também que o cunho pessoal de Flanagan está bem presente, seja nas várias dinâmicas familiares que vemos em cena, seja nos aspetos técnicos, com técnicas de filmagem bastante competentes – recordo-me de uma cena absolutamente incrível na praia, com vários animais mortos, onde vemos a câmara sempre à volta dos dois personagens que mantêm uma conversa, aumentando a tensão do momento – e com uma fotografia escura, mas limpa e com um contraste de cores sensacional.

No campo da representação, todo o elenco está num nível incrivelmente alto, dando tudo de si e vivendo personagens nas quais realmente acreditamos. Hamish Linklater é o Padre Paul – misterioso, convincente e sedutor no uso da palavra do Senhor; Samantha Sloyan é assustadora e fria no papel de Bev, uma beata obessessiva com passagens da Bíblia e também com os comportamentos dos outros; Kate Siegel como Erin tem, mais uma vez, um excelente papel numa obra de Flanagan, mostrando-nos o drama de uma futura mãe que tenta fugir do seu passado, tentando perceber o que o futuro lhe reserva; Zach Gilford como Riley, faz-nos acreditar que pode ter saído da prisão fisicamente, mas que continua preso interiormente, afundando-se no sentimento de culpa pelos pecados cometidos; Rahul Kohli tem também uma excelente interpretação como um Xerife que procura paz num mundo que nunca a deu, mesmo que este tenha sempre feito a coisa certa. São muitos nomes, mas acreditem que faz sentido fazer esta menção pois todos eles estão a um excelente nível, incluindo outros não mencionados – como os mais novos ou a Doutora vivida por Annabeth Gish.

Como série de terror, Midnight Mass demora a carburar. Já o esperava, mas ainda o fez mais do que contava. Tem momentos de absoluto terror que funcionam bastante bem e que irão ficar connosco durante muito tempo. Mas essa – apesar de demónios, vampiros, muito sangue e algumas cenas de “desviar o olhar” – não é a principal missão desta série. A série viaja várias vezes connosco em várias explicações filosóficas sobre o que é a vida, a morte, sobre o poder da fé, sobre religião, sobre religiões no plural, sobre a ausência de religião, sobre sonhos, sobre ser diferente, sobre ser aceite, sobre ser boa pessoa. É esse o ponto mais forte da série e é também o seu ponto mais fraco. Embora o que nos diga seja belo, embora seja fascinante a forma como nos mostra as diferentes posições e as diferentes crenças, Midnight Mass abusa nessa componente. A grande quantidade de diálogo é uma característica dos trabalhos de Flanagan, mas já em Bly Manor achei que houve um abuso dessa componente e aqui isso ainda vai mais além, com vários episódios a encherem-se de conversa que, por muito bem construída que seja, pode afastar muitos, tanto pela profundidade da mensagem, como, principalmente, pela quantidade de vezes que isso acontece, chegando a um ponto em que dizemos “já chega de conversa”.

Assim, tenho dificuldades em avaliar Midnight Mass logo após a sua visualização. Gostei do que vi, gostei do que me transmitiu, gostei da maioria do que me disse (e disse-me muita coisa mesmo!). No entanto, tenho dúvidas de que a recomende a alguém que me peça uma série de terror para ver. Funciona, acima de tudo, como um profundo ensaio sobre fé, vida e morte. Já como obra de terror, tem os seus momentos que perdurarão na nossa memória, mas é também afetada no ritmo por um excessivo número de divagações filosóficas, monólogos e sermões.


Midnight Mass
Missa da Meia-Noite

ANO: 2021

PAÍS: Canadá; EUA

DURAÇÃO: 448 minutos

REALIZAÇÃO: Mike Flanagan

ELENCO: Hamish Linklater; Samantha Sloyan; Kate Siegel; Zach Gilford; Rahul Kohli

+INFO: IMDb

Midnight Mass

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