Prosseguimos as nossas críticas ao MOTELX de 2023 com três filmes que nos encheram as medidas! Foi dia de mulheres fortes, mulheres que se transformaram para ser aquilo que as obrigaram a ser. Citando Saïd Belktibia, realizador de Hood Witch: não toquem nas mulheres!
Tiger Stripes
Realização Amanda Nell Eu
Elenco Zafreen Zairizal, Deena Ezral, Piqa
País: Malásia
A jovem Zaffan tem 12 anos e passa por algo que muda a vida de qualquer pessoa. Aos poucos, percebe que as mudanças em si e à sua volta são maiores do que o esperado e isso poderá vir a ser devastador.
No fundo, Zaffran é apenas uma pré-adolescente em transformação. Transformações no corpo humano são sempre assustadoras. Mas mais assustador ainda é a forma como os seres humanos teimar em tratar algo natural como algo que deve ser combatido. Dessa forma, o que poderia ser um pequeno animal para domar pode-se transformar mesmo num perigoso animal selvagem. Tiger Stripes é um filme muito artístico, que leva o seu tempo para contar a sua história, através de belas imagens e uma poderosa banda-sonora que ajudam a dar um toque surrealista a todas as metáforas que emprega.
A dualidade entre o peso das tradições conservadoras para uns e o fascínio de outros pela modernidade, elevam a qualidade do seu comentário social. Uma estreia incrível na realização para Amanda Nell Eu e uma jovem atriz – Zafreen Zairizal – excelente no papel principal. Os efeitos em movimento estão longe do ideal, mas este é um filme pequeno com muito coração e…com uma boa dose de loucura. Deixem as crianças ser crianças!
My Animal
Realização Jacqueline Castel
Elenco Bobbi Salvör Menuez, Amandla Stenberg, Stephen McHattie
País: Canadá
Pode um filme que mistura lobisomens e um romance lésbico conectar com um homem heterossexual sem tendências para morder alguém? Claro que sim. O cinema é um espaço fantástico por isso mesmo. O que este filme representa é algo com que quase todos nós nos podemos identificar. A adolescência, as transformações próprias dessa fase, os sentimentos a mandar nas nossas ações, o medo de os seguir quando estes fogem à regra, famílias e relações com segredos e muitos, muitos problemas.
Longe de ser um filme que irá agradar a quem é apenas fã de terror mais comerical, My Animal é, acima de tudo, um filme sobre mudanças de estado e sobre aceitação. Aceitar quem nós somos – ou não -, aceitar que nunca mais seremos o que fomos ontem, aceitar que haverá quem nunca nos aceite. É um slow burn que vai construindo algo sem que sempre seja claro o que é. Com uma excelente banda-sonora – recheada de sintetizadores a lembrar o fim dos anos 80 e início dos 90 -, bons planos e uma excelente utilização das cores, é um filme que vale, acima de tudo, pelas sensações que vai transmitido, parecendo quase uma viagem psicadélica. A química entre as duas atrizes principais – Bobbi Menuez e Amandla Stenberg – faz incendiar qualquer sala e as suas excelentes interpretações ajudam a que não queiramos sair daquele pequeno mundo.
Hood Witch
Realização Saïd Belktibia
Elenco Golshifteh Farahani, Denis Lavant, Jérémy Ferrari
País: França
Pedimos desculpa por não apresentarmos este trailer, mas, na verdade, ele ainda nem existe! A primeira vez que algum público viu este filme francês foi precisamente no dia 14 de Setembro no MOTELX, em estreia mundial.
O filme centra as suas atenções em Nour, que ganha a vida a contrabandear animais exóticos e a servir como uma espécie de curandeira na sua comunidade. Com a ajuda do seu filho, a curandeira tenta mexer-se em demasia e há quem não ache muita piada a isso. Quando uma morte ocorre na vizinhança, todos os dedos apontam para Nour que terá que tentar escapar a uma verdadeira caça às bruxas nos tempos modernos, não deixando o seu filho para trás.
Sim, o terror aqui é relativo. É, essencialmente, um thriller. Um thriller de sobrevivência recheado de ação – boa ação – e que, por vezes, até faz lembrar aqueles filmes norte-americanos que Liam Neeson não se cansa de fazer. Mas com um grande ponto a seu favor: este tem algo relevante a dizer. Conta também com a sempre excelente Golshifteh Farahani no papel principal, com uma atuação fantástica, tanto do ponto de vista físico quanto emocional. Existe uma premissa narrativa – na verdade, um buraco – que tenho dificuldade em aceitar e parte disso implica com que não vejamos um único polícia nas ruas durante aquelas horas loucas. Ainda assim, nem que seja pelas alfinetadas que vai dando às nossas sociedades – a cena em que Nour é espancada, ignorada por todos, é exemplo disso – é um filme que vale muito a pena. Tem um ritmo infernal, está recheado de tensão, tem momentos engraçados, tem várias cenas para nos deixar a pensar, tem rãs assassinas e tem uma cena fantástica com um olho humano. Mais não digo.