Lembro-me de explorar a aba de novidades do catálogo da Netflix, e lá encontrar uma animação de visual carismático que prometia estrear logo: Nimona. O anúncio me chamou a atenção, mas não o suficiente para me deixar empolgado. Então, decidi não pesquisar mais a fundo sobre a produção, pois imaginei que a resenha crítica do filme provavelmente seria designada a mim e, assim sendo, gostaria de chegar até ela sem muito saber a seu respeito. Pois assim fiz, e melhor não poderia ter feito.
Como é bom entrar em contato com uma obra com pouco mais do que o seu título como informação. O suficiente para não decepcionar expectativas, ou para surpreender-me com inesperada qualidade. Felizmente, Nimona se encaixa no segundo caso. Trata-se de uma bela surpresa. Uma bela, enérgica e colorida surpresa!
Nimona é um filme animado em 3D cuja animação é ligeiramente simples, se compararmos com as produções semelhantes das quais estamos habituados, como os filmes da Disney/Pixar, DreamWorks ou Illumination. Mas não se deixe enganar por essa simplicidade. Nimona faz ótimo uso do que tem em mãos, e se apresenta como uma obra muito bem resolvida visualmente, que faz um excelente uso de cores e truques visuais para tirar o melhor proveito possível de suas limitações técnicas.
As cores presentes no filme servem não só para encher nossos olhos e nos manter sempre atentos à tela da televisão, mas também para externalizar as personalidades de cada personagem. Nimona (Chloë Grace Moretz), por exemplo, é uma menina rebelde cuja personalidade se destaca das demais pessoas. Assim, sua paleta de cores mais voltada para tons de rosa diverge bastante das demais personagens do filme, que fazem uso de cores mais discretas e sóbrias. O cavaleiro Ballister Boldhart (Riz Ahmed) é um plebeu tirado das ruas, portanto sua armadura ganha tons mais escuros e menos chamativos que os demais cavaleiros. E esse detalhe cria um interessante contraponto com a armadura de Ambrosius Goldenloin (Eugene Lee Yang), namorado de Ballister, e cavaleiro de uma linhagem importantíssima para o universo do filme. Ambrosius ostenta uma imponente e brilhante vestimenta branca com detalhes dourados, que escancaram a importância de sua linhagem e lugar na elite da sociedade.
A identidade visual de Nimona é rica, e tudo é concebido com um propósito muito claro. O filme é, de certa forma, graficamente simples. As personagens ganham vida em modelos 3D chapados, com poucas ou sem qualquer textura. Todavia, Nimona traz uma solução inteligente para maquiar sua limitação, utilizando de detalhes em diferentes formas geométricas, que garantem mais complexidade aos modelos animados, além de simular as inexistentes texturas. A iluminação cartunesca e bem demarcada também agrega ao resultado final garantindo mais camadas e detalhes à animação e, aliada ao conceito das formas geométricas, cria pequenos, porém significativos detalhes para o universo do filme, como os diferentes reflexos nos olhos de cada personagem. Algumas têm feixes de luz triangulares em seus olhos, outras quadradas, e assim por diante. Tal brincadeira agrada, pois garante mais particularidade às personagens. Podemos até ler de modo que tal decisão criativa tenha sido tomada para simbolizar as diferentes visões de mundo entre os indivíduos envolvidos na trama. Talvez seja querer enxergar demais onde há apenas um detalhe bobo, mas não deixa de ser interessante perceber o esforço da equipe de produção em entregar um produto de grande capricho ao seu público.
E é também com muito esmero que Nimona nos conta sua história. Situado em um mundo que mistura o futurismo com o medieval, o filme desenvolve uma trama envolvente e carismática sobre o injustiçado cavaleiro Ballister Boldheart, que, com a ajuda da enérgica e rebelde metamorfa Nimona, precisa garantir sua inocência e provar seu verdadeiro valor ao povo que decidiu defender com sua espada e coragem. O primeiro é um plebeu inserido em um grupo formado pela elite, e a segunda uma marginal desprezada e hostilizada pela política do governo local. Juntos, eles precisam superar suas diferenças para alcançarem o objetivo de fazer a justiça, seja ela conseguida através da exposição da verdade, ou da instauração do caos total.
Com isso, Nimona constrói um enredo bem elaborado que discute temas como preconceitos, conservadorismo, alienação, estigmas sociais, entre outros. E tudo isso com um ritmo contagiante, cheio de energia e bom humor, que garante um tom divertido e convidativo ao filme. Nimona consegue a proeza de ser agradável a qualquer público. Nem infantil a ponto de afastar os mais velhos, nem denso demais para fazer as crianças se aborrecerem. O equilíbrio entre as diferentes esferas tonais e temáticas é quase perfeito, pecando apenas em um humor que, em certos momentos, abusa um pouco da sua fome por risadas, e eleva a comicidade do filme para um pouco além do tom necessário. É um exagero notável, mas que se vê irrelevante no saldo final da obra, principalmente se comparado com a magnitude do surpreendente e emocionante ato final do filme.
Outro aspecto extremamente positivo de Nimona são as atuações prestadas ao filme. Todo o elenco faz um bom trabalho, mas os maiores destaques ficam mesmo com os protagonistas vividos por Riz Ahmed e Chloë Moretz. Ahmed entrega um trabalho baseado na simplicidade, cuja voz apresenta uma constante humildade que torna sua personagem alguém extremamente amigável e empática. Já Moretz é pura energia caótica. A personagem que dá nome ao filme ganha muita personalidade com a voz da atriz, e constrói, junto do argumento e realização, uma protagonista contagiante e calorosa, que rouba a cena para si sempre que presente em tela.
Carisma, cores, emoção e, apesar de por vezes exagerado, muito bom humor. Nimona é um triunfo audiovisual, e mais um acerto da Netflix no campo das animações. O filme se encerra bem, mas há espaço para possíveis sequências. Assumo que não vejo necessidade de fazer de Nimona uma franquia, mas, com certeza, aguardaria com entusiasmo caso assim fosse anunciado.
